O Globo, n. 31488, 23/10/2019. Economia, p. 25

Guedes planeja pacote após a previdência

Manoel Ventura


O ministro da Economia, Paulo Guedes, vai apresentar, na semana que vem, um pacote de medidas para aumentar o controle sobre os gastos públicos, alterar regras sobre o Orçamento e ampliar os repasses de verbas federais para estados e municípios. Guedes tem chamado as propostas de novo pacto federativo. O governo também planeja a revisão nas regras sobre os servidores públicos, na chamada reforma administrativa, que pode mexer nas carreiras federai senas normas sobre estabilidade do funcionalismo.

— Agora nós vamos para o pacto federativo, e o pacto federativo tem várias dimensões: ele tema reforma administrativa, a descentralização de recursos, que nós chamamos de “mais Brasil e menos Brasília”. Ele tem várias dimensões evai estar saindo semana que vem, semana que vem vocês vão estar co mele— disse Guedes ao deixar o Senado, após aprovado o texto-base da reforma da Previdência.

Coma conclusão da reforma da Previdência, as medidas serão entregues ao Congresso como continuidade da agenda reformista de Guedes. A ideia é dividir os temas do pacto federativo em três projetos, propostas de emenda à Constituição( P EC ), além da reforma administrativa.

Alterara Constituição exige o apo iode ao menos 308 deputa dose 49 senadores, em duas votações em cada Casa. O objetivo é apresentar os projetos ao presidente da Câmara, Rodrigo Maia(DEM-RJ),e do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), na terça-feira.

Criação de conselho fiscal

Perguntado se haverá boa vontade por parte dos parlamentares em dar andamento às reformas, o ministro afirmou que Maia e Alcolumbre farão o “processamento político” das propostas nas duas Casas.

Amais profundadas mudanças nas contas públicas está na proposta que cria o Conselho Fis calda República. Este seria formado pelos presidentes da República, da Câmara, do Senado e do Supremo Tribunal Federal (STF), além de governadores.

Assim, os três Poderes vão se reunir periodicamente para discutira situação das contas públicas, uma versão turbinada da atual Junta de Execução Orçamentária — composta hoje apenas pelos ministros da Economia e da Casa Civil, mais o presidente da República. A intenção, segundo fontes, é criar uma ampla “cultura de responsabilidade fiscal” e evitar derrotas no Judiciário que ampliem gastos públicos.

Essa PEC também deve desvincular, desobrigar e desindexar parte do Orçamento federal, uma das principais bandeiras do ministro da Economia. Guedes quer aumentar o poder dos políticos sobre o Orçamento público, reduzindo gastos obrigatórios e permitindo ao Congresso dizer quais despesas são prioritárias.

A PEC pretende levar responsabilidade fiscal aos estados e municípios. Guedes quer ampliar o poder do Tribunal de Contas da União (TCU), permitindo ao órgão supervisionar os trabalhos dos tribunais de contas estaduais e municipais. A equipe econômica avalia que boa parte do descontrole das contas dos governos regionais nos últimos anos se deve à omissão desses tribunais. Por isso, as decisões do TCU poderão se tornar vinculantes para demais entes da federação. A mesma PEC poderá incluir medidas para aumentar repasses da União a estados e municípios.

Uma segunda proposta foi apelidada de “PEC Emergencial”, com medidas de ajuste para União, estados e municípios. A PEC vai acelerar e criar outros “gatilhos”, medidas de ajuste de contas e corte de gastos, para que o governo cumpra as regras fiscais e não entre em colapso.

O texto que está sendo preparado prevê o acionamento de um gatilho com base na relação entre despesa corrente e receita corrente nas três esferas, segundo fontes. Integrantes do governo ainda discutem qual percentual de comprometimento dos gastos irá acionar o gatilho. Esse valor deve ficar entre 85% e 95%.

Com o gatilho acionado, diversas medidas estão previstas para dar sustentabilidade fiscal à União e aos governos regionais. Alista está sendo fechada, mas deve incluir a redução de gastos com servidores e benefícios sociais.

A proposta foi apelidada de “PEC Emergencial” por ser considerada fundamental para liberar espaço no Orçamento federal a partir de 2020. O crescimento das despesas obrigatórias reduziu o espaço para investimentos e custeio ao menor patamar da série histórica do Tesouro, iniciada há dez anos. Técnicos do governo têm dito que, sem mudanças, o Orçamento de 2021 será composto quase integralmente por despesas obrigatórias.

No caso do governo federal, a PEC vai focar medidas para cumpri rare grade ouro e o teto de gastos. Are grade ouro proíbe o governo de se endividar para pagar despesas correntes, como aposentadorias e salários —mas isso vem sendo descumprido por causa do rombo nas contas públicas. Já o teto limita o crescimento das despesas da União.

Reforma administrativa

Para cumpri rare grade ouro e liberar espaço dentro do teto de gastos, o governo também planeja gatilhos para reduzir despesas obrigatórias. A intenção é abrir espaço para investimentos, previstos em R $19 bilhões em 2020. As ações de ajuste duram enquanto houver esse desequilíbrio.

Maia já disse que pretende dar prioridade a essa proposta. O texto, porém, começará a tramitar pelo Senado. Ao mesmo tempo, a Câmara deve dar prosseguimento a uma proposta semelhante, do deputado Pedro Paulo (DEM-RJ), mas que não trata de estados e municípios. As duas propostas devem ser unificadas na Casa.

Outra proposta, que ainda está sendo concluída, prevê ampla revisão nos fundos públicos. Guedes estuda extinguir parte dos mais de 200 fundos públicos federais, que engessam o Orçamento. Ele prefere destinar os recursos do Orçamento diretamente para os programas hoje abastecidos por esses fundos.

A reforma administrativa deves era presentada na próxima semana. O ministério pretende mudara estruturado funcionalismo, reduzindo o número de carreiras, o salário inicial e o tempo de progressão. A estabilidade de algumas funções também pode mudar.

Com o congestionamento da pauta econômica no Congresso, o governo vai adiara reforma tributária para 2020.

Colaborou Renata Vieira.

Próximas prioridades do governo:

Reforma administrativa

> O objetivo: Reduzir privilégios de parte dos servidores e cortar despesas com pessoal, o 2º maior gasto público do Executivo.

> O que se sabe:

O governo não divulgou detalhes da proposta. Entre os pontos em estudo, estão redução do número de carreiras e mudanças nas regras de estabilidade para algumas funções. Formas de aprimorar a análise de desempenho (que, em tese, facilitariam a exoneração de servidores que não atenderem expectativas) estão em análise.

> Dificuldades:

O lobby dos servidores públicos já começou a se mobilizar para evitar mudanças nas regras. A categoria é contra o diagnóstico do governo federal de que há inchaço na máquina pública.

Gatilhos fiscais

> O que é: Proposta de emenda à Constituição (PEC) para reduzir despesas obrigatórias e apertar o ajuste das contas públicas.

> O objetivo:

Abrir espaço no Orçamento para investir sem quebrar regras fiscais. Para 2020, só sobraram R$ 19 bilhões para investir.

> O que se sabe:

Já tramita na Câmara proposta do deputado Pedro Paulo (DEM-RJ), que autoriza o governo a reduzir despesas obrigatórias para cumprir regras fiscais. Entre as ações previstas estão o corte de salários de servidores, com redução da jornada, e a suspensão do abono salarial. O governo deve aproveitar o projeto, mas enviar novo texto.

> Dificuldades:

O pacote inclui medidas consideradas impopulares. O desafio será aprovar o texto neste ano, para que as medidas tenham efeito no Orçamento de 2020.

Novo pacto federativo

> O que é: Conjunto amplo de ações para flexibilizar o Orçamento e garantir mais recursos a estados e municípios.

> O objetivo:

Propor ações para reduzir travas no Orçamento e compartilhar mais recursos com os entes da federação. A pauta faz parte do mote “mais Brasil, menos Brasília”.

> O que se sabe:

Um conjunto de PECs e projetos redistribuirá R$ 500 bilhões em 15 anos. Entre as medidas, está a mudança nas regras de divisão de recursos do pré-sal. Hoje, estados ficam com 30% e a União, com 70%. O governo quer inverter as proporções. Deve, ainda, criar um Conselho Fiscal da República para incluir Legislativo e Judiciário no processo de decisões que afetam as contas públicas.

> Diļ¬culdades: Equilibrar interesses de estados, municípios e regiões.

Reforma tributária

> O que é: Mudanças no número e no funcionamento de impostos do país.

> O objetivo:

Simplificar o regime tributário brasileiro, melhorar o ambiente de negócios e gerar empregos.

> O que se sabe:

Já existem duas PECs tributárias: uma da Câmara, outra do Senado. As duas buscam diminuir o número de impostos, com unificação de tributos. O governo ainda não enviou sua proposta. Os planos da equipe econômica foram frustrados pelo vazamento de detalhes sobre um projeto para substituir a contribuição sobre salários por um imposto sobre transações nos moldes da extinta CPMF. O episódio levou à queda do secretário especial da Receita Federal, Marcos Cintra.

> Dificuldades:

Por mexer com muitos interesses, é considerada a reforma mais difícil.