Título: O centro e as margens
Autor: Mauro Santayana
Fonte: Jornal do Brasil, 15/04/2005, País / Coisas da Política, p. A2

É velha a constatação de que o governante sábio é aquele que encontra a linha de talvegue do curso histórico, ou seja, o centro político. O centro é o centro, confirme-se a obviedade. Para um governo de centro é necessário encontrar ministros que saibam onde o centro se encontra e estejam convencidos de que é preciso caminhar na eqüidistância das margens. Ao renunciar ao programa de mudanças revolucionárias, a fim de assegurar a vitória eleitoral, a direção do PT se decidiu pelo centro. Entendia-se que faria, com os aliados, um governo de centro-esquerda. Hoje, muitos dos adversários conservadores, ao elogiar a política econômica, colocam-no a seu lado, à direita.

É provável que os arquitetos do governo se tenham perdido em uma escorregadela da lógica e acreditado que, ao somar o espaço da direita de Roberto Rodrigues ao da esquerda de Marina Silva, dividindo o resultado por dois, encontrariam o centro. O espaço político não está submetido à geometria euclidiana. É outra coisa. O poder em que se apóia Roberto Rodrigues é imensurável, comparado à força de que dispõem os seguidores da jovem defensora da natureza.

Há muitas metáforas para o ato de governar, e a melhor, conforme a etimologia, é a que lembra o piloto de uma embarcação, esquivando-a das tempestades e, não sendo possível evitá-las, vencendo-as, com firmeza e perícia. Julius Nyerere, o grande e lúcido líder africano, buscou em provérbio swahili outra imagem para definir o equilíbrio do poder, ou seja, o centro: a do ovo na concha da mão; se ela se abre de todo, ele cai e se rompe; se a mão se crispa com força, o ovo é esmagado, o poder escorre entre os dedos.

Governar pelo centro significa, também, governar dentro das contingências históricas. O governo não existe para manter as coisas como se encontram; existe para mudá-las. O que identifica a era moderna é o desenvolvimento tecnológico, em busca de mais tempo e melhor qualidade de vida para os homens. A grande tarefa dos governos democráticos é realizar aquilo que a muitos parece impossível: o desenvolvimento geral do país, assegurando que os resultados desse desenvolvimento sejam bem divididos entre todos.

Alguns dirigentes do PT acreditam que as dificuldades, impostas pela globalização totalitária da economia, devem aposentar o projeto da razão solidária, que, administrada pelas sociedades políticas, tem assegurado a sobrevivência da Humanidade e a civilização. Seu pragmatismo os aproxima dos socialdemocratas de hoje, que se tornaram, na Europa e no governo Fernando Henrique, fiéis gerentes dos interesses de imensas corporações mundiais.

Para encontrar o centro em que situar o governo, o presidente Lula deverá procurá-lo, antes, no próprio partido. Isso será fácil para quem aprendeu a negociar e a convencer adversários na defesa de suas idéias e compromissos, em outros e mais difíceis tempos. Ao apoiar-se apenas no chamado campo majoritário, aparentemente pragmático, que se reuniu no Rio, ficará desprovido do passado e terá mais dificuldades em organizar, com os aliados, um governo realmente de centro. O centro político é a avaliação correta das forças em jogo, mas com a ousadia para avançar. O centro não pode ser imóvel, e, sim, plataforma que avança no tempo, em processo continuado a fim de assegurar o desenvolvimento com justiça e a plena soberania sobre o espaço nacional.

A parcela da esquerda do PT, que decidiu continuar no partido, começa a mover-se, procurando o apoio das bases nacionais. É importante, para Lula e seu governo, que o grupo se articule e - como ocorre nos partidos políticos europeus - tenha identidade clara, líderes ativos, reuniões abertas, divulgação de idéias e protestos. Sem que se submeta à democracia interna, na aceitação de alternativas programáticas, o PT dará razão aos inimigos, que nele denunciam tendência totalitária. E já que a África está na ordem do dia, podemos recorrer aos sonoros vocábulos políticos do swahili, dos quais se servia Nyerere: não havendo uhuru (liberdade), nunca haverá umoja (união), nem maendeleo (desenvolvimento).