O Globo, n. 31489, 24/10/2019. País, p. 4

Primeiro Round



O Supremo Tribunal Federal( STF) começou ontem a julga rate seda segunda instância com mais votos (3 a 1) pela possibilidade de prisão antecipada dos réus. Para hoje, a expectativa é de reviravolta no placar, com uma maioria para permitir que os condenados aguardem mais tempo em liberdade antes de serem presos.

A sessão será retomada com Rosa Weber. O voto da ministra deve ajudara definir o julgamento. E lajá votou a favor da prisão após segunda instância em casos concretos. Mas Rosa deixou em aberto a possibilidade de repetir seu entendimento dado em 2016, pelo cumprimento da pena somente após o fim do processo, caso o tribunal voltasse a analisar atese em abstrato. Esse é o caso do julgamento atual.

Como haverá um evento no STF no fim da tarde, é pouco provável que o julgamento termine hoje. Nesse caso, a conclusão será adiada para novembro, já que na próxima semana não haverá sessão. Uma vez por mês, o presidente do STF, Dias Toffoli, deixa a pauta do plenário vazia para que os ministros acelerem o trabalho nos gabinetes.

Ao responder se convocaria os trabalhos para a próxima semana, caso a votação não termine hoje, Toffoli negou:

— Sem pressa, sem pressa. O relator, Marco Aurélio Mello, defendeu ontem o direito do réu de aguardar em liberdade até o trânsito em julgado — quando não há mais possibilidade de recursos. Por outro lado, Alexandre de Moraes, Edson Fachin e Luís Roberto Barroso votaram pela possibilidade de início do cumprimento da pena quando a condenação for confirmada por um tribunal de segunda instância.

Entre os sete ministros que ainda vão votar, a maioria defende que o réu aguarde por mais tempo em liberdade, depois da condenação em segunda instância, antes de ir para a cadeia. Nos bastidores, a tendência é que, ao fim, não deve haver maioria nem para a segunda instância, nem para o trânsito em julgado. Portanto, na hora de proclamar o resultado, alguns ministros podem migrar para um caminho do meio que vem sendo construído na Corte.

Tese alternativa

Pela tese alternativa, prisões seriam autorizadas a partir da condenação confirmada pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ). A solução, já aventada por Toffoli, manteria preso o ex-presidente Lula. Isso porque o STJ já julgou o recurso principal do petista no processo sobre o tríplex do Guarujá, que resultou na prisão.

Em seu voto, Marco Aurélio afirmou que a prisão sem trânsito em julgado só deve ser permitida nos casos previstos pelo artigo 312 do Código de Processo Penal (CPP): “Como garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal, ou para assegurar a aplicação da lei penal, quando houver prova da existência do crime e indício suficiente de autoria.”

Marco Aurélio criticou a eventual decisão que opte pelo meio-termo:

— Uma coisa é ou não é, não havendo espaço para o meio-termo.

Marco Aurélio também citou a superlotação dos presídios e criticou a quantidade de presos provisórios:

— Inverte-se a ordem natural para prender e, depois, investigar.

Moraes foi o primeiro a votar a favor da tese da segunda instância. Para ele, a ideia não ofende o princípio constitucional da presunção de inocência porque as decisões de segunda instância são devidamente fundamentadas e, antes delas, é dado aos réus o amplo direito de defesa.

— Ignorar a possibilidade de execução da decisão condenatória de segundo grau fundamentada, com absoluto respeito ao amplo direito de defesa, é enfraquecer o Poder Judiciário —disse o ministro.

Moraes rebateu o argumento de que prisões de condenados em segunda instância colaboram para lotar ainda mais os presídios brasileiros. Para ele, prende-se muito no país, mas parte dos condenados poderia ser solta com medidas cautelares, como uso de tornozeleira eletrônica.

O relator da Lava-Jato no STF, Edson Fachin, concordou com Moraes:

— É inviável sustentar que toda e qualquer prisão só pode ter seu cumprimento iniciado quando o último recurso da última corte constitucional tenha sido examinado.

Quarto a votar, Barroso declarou que impedir as prisões em segunda instância levará a prescrições e impunidade. O ministro deu como exemplos alguns crimes de grande repercussão em que a pena foi executada apenas muitos anos depois. Entre os casos mencionados, embora sem citar nominalmente, estava o do ex-deputado Paulo Maluf.

Para Barroso, voltar ao entendimento anterior, que vigorou entre 2009 e 2016, segundo o qual só era possível prender quando não houvesse mais possibilidade de recursos, não vai beneficiar os pobres, mas apenas os acusados de crimes de colarinho branco. Destacou também que é preciso levar em conta os direitos humanos das vítimas e concluiu:

— É mais bacana defender a liberdade do que mandar prender, mas eu preciso evitar o próximo estupro, o próximo roubo.

Os principais argumentos

A favor da prisão

No Brasil, há muitos recursos que podem ser apresentados para arrastar o processo indefinidamente. Impedir a prisão após condenação em segunda instância vai incentivar essa prática, retardar a execução da pena e levar à impunidade, em especial daqueles que têm dinheiro para contratar bons advogados.

À medida que o processo anda, e o acusado é condenado em primeira e, depois, em segunda instância, há um enfraquecimento da ideia da presunção de inocência.

O princípio constitucional da presunção de inocência precisa ser ponderado com outros princípios, como o da efetividade do sistema de justiça e do direito à segurança.

O STJ e STF não são a terceira e a quarta instâncias. Apreciam apenas questões processuais e constitucionais. Além disso, os recursos ao STJ e STF não têm, via de regra, efeito suspensivo. Para evitar injustiças, o STJ e o STF podem, em situações excepcionais, suspender os efeitos de condenações que tenham contrariado a lei.

Embora o STF tenha adotado entre 2009 e 2016 a orientação de que não é possível a prisão após condenação em segunda instância, na maior parte do tempo o entendimento foi o de que isso pode ocorrer.

Contra a prisão

A execução somente após o trânsito em julgado não impede de todo a prisão em etapas anteriores. Pessoas perigosas ou que possam atrapalhar o andamento do processo ainda poderão ter suas prisões decretadas. Se o sistema recursal é ruim, a solução deve ser alcançada reformando-o, e não flexibilizando o trânsito em julgado.

Condenados em segunda instância ainda podem recorrer e, assim, conseguir uma decisão favorável. Se forem presos agora e, mais na frente, absolvidos e soltos, isso significa que a prisão foi injusta e eles não poderão recuperar o tempo em que ficaram atrás das grades.

A Carta Magna diz expressamente que “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”.

Embora o STJ e o STF não possam reanalisar provas, isso não os impede de corrigir ilegalidades e injustiças e, eventualmente, anular sentenças.

O que diz a lei

Constituição

“Ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”

Código de Processo Penal

“Ninguém poderá ser preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente, em decorrência de sentença condenatória transitada em julgado ou, no curso da investigação ou do processo, em virtude de prisão temporária ou prisão preventiva”

Eentendimentos do STF ao longo do tempo

Até 2009

Era possível prender alguém condenado em segunda instância

De 2009 a 2016

O STF aplicou o entendimento de que o condenado pode recorrer em liberdade aos tribunais superiores, sendo preso apenas quando não for mais possível apresentar recurso

Desde 2016

O STF entendeu que é possível prender alguém após condenação em segunda instância, mas os ministros do STF que discordam da orientação não são obrigados a segui-la e podem atender a pedidos de presos nessa situação