O Estado de S. Paulo, n. 46933, 17/04/2022. Política, p. A8

O 'inimputável'

Eliane Cantanhêde 


Ao premiar Ciro Nogueira com a Casa Civil, o presidente Jair Bolsonaro admitiu que estava entregando “a alma do governo” ao Centrão, o que poderia ser confundido, maldosamente, com “vender a alma ao diabo”. Assim como o “gabinete paralelo” do Ministério da Saúde operava dentro do Planalto para compra de vacinas, o “gabinete oculto” do FNDE e o “do culto” do MEC estão na “alma do governo”.

A bem da verdade, os dois escândalos estão na alma, mas também no coração do governo: na Casa Civil e no gabinete do presidente. O Planalto abriu as portas 35 vezes para os pastores que participavam de reuniões, desfilavam em aviões da FAB, achacavam prefeitos e, conforme o ex-ministro Milton Ribeiro à PF, foi Bolsonaro quem pôs no MEC.

Na pandemia, Bolsonaro lavou as mãos para as mortes, combateu isolamento, máscara e vacinas em favor da cloroquina e ignorou as denúncias feitas – com provas – pelos irmãos Luís e Luís Ricardo Miranda sobre negociatas da Covaxin.

O grande jornalista Clóvis Rossi, morto em 2019, dizia que o ex-presidente Lula era “inimputável”, porque, fizesse o que fizesse, passava sempre ileso pelos erros do seu governo e do seu partido. Até ser preso pela Lava Jato, que sofreu grande reviravolta e hoje é amplamente questionada.

Não fosse a prisão, o Brasil viveria hoje uma polarização entre “inimputáveis”, já que Bolsonaro faz e diz os maiores absurdos e milhões acham normal. Os 660 mil mortos de covid, a Amazônia em chamas, o desmanche de Saúde, Educação, Cultura, Ambiente e política externa? Não são com ele.

E daí o jet ski no dia dos 10 mil mortos e depois com a Bahia afundada em dor e lama? A intervenção na PF, Receita e Coaf para blindar a família? O assalto ao MEC e, na Sexta-feira Santa, a óbvia campanha antecipada e o abuso de autoridade ao mandar interditar, nada mais, nada menos, a Rodovia dos Bandeirantes para motociata eleitoral?

O PT queimou seus principais quadros e caiu na esparrela de Dilma Rousseff para tentar preservar seu grande líder Lula. Hoje, Bolsonaro joga Ribeiro,

Eduardo Pazuello, Ricardo Salles, Ernesto Araújo e Abraham Weintraub ao mar para se liberar para jet ski, moto, campanha e férias. Nenhum deles é para Bolsonaro o que José Dirceu é para o PT, mas têm identidade ideológica com Bolsonaro.

E o que falar de Ciro Nogueira, a “alma do governo”? Sem ideologia nenhuma, ele foi aliado de Lula e chamou Bolsonaro de “fascista”, mas inverteu as coisas e vai dividir a culpa do MEC com Ribeiro, porque Bolsonaro não governa e é “inimputável”. Messias é um santo.