Título: Divisão ronda o Conclave
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Fonte: Jornal do Brasil, 15/04/2005, Internacional, p. A8

Resistência ao nome do alemão Joseph Ratzinger, segundo imprensa italiana, cindiu os cardeais em dois grupos

VATICANO - A quatro dias do Conclave para eleger o próximo papa, dois grupos parecem se delinear: um conservador, em torno do influente cardeal alemão Joseph Ratzinger, e outro mais progressista ao redor do liberal italiano Carlo María Martini - ambos são tidos como ''fazedores de papas''.

Os 115 cardeais com direito a voto sortearam ontem os quartos que ocuparão na Casa Santa Marta durante o conclave. O dia também foi de deliberações secretas sobre a situação da Igreja e do mundo. Reunidos desde segunda-feira em sessões plenárias, jantares e encontros restritos para esboçar pouco a pouco o perfil ideal do Papa, os cardeais não conseguiram manter o silêncio que havia sido pedido e muita coisa vazou. Nada é oficial, mas também nenhuma informação foi desmentida.

Segundo o conhecido vaticanista do jornal Corriere della Sera , Luigi Accattoli, é possível que os dois cardeais, pelo peso intelectual e moral, se convertam nas bandeiras de duas visões diferentes para guiar a Igreja: uma continuísta e outra aberta a mudanças.

- Talvez na segunda-feira, início das votações, Ratzinger e Martini, contra sua vontade, sejam os mais votados - afirma Accattoli, que crê que o religioso alemão, líder do setor mais conservador e apelidado de ''Rottweiler de Deus'', conta com 50 dos 77 votos indispensáveis para se obter a maioria.

A possibilidade de que Ratzinger - imagem da continuidade e um grande inquisidor por sua dureza contra os teólogos críticos - se imponha suscita receio entre os que defendem uma renovação.

- Ele não sabe manejar a máquina do Vaticano, deixaria nas mãos da Cúria - ressaltam seus críticos, citados pelo La Repubblica , que asseguram que o religioso sofrerá o veto de oito dos 11 cardeais americanos e de cinco dos seis alemães. Entretanto, mais que aspirar o trono de Pedro, Ratzinger poderia impulsionar candidaturas, como a de Dionigi Tettamanzi (arcebispo de Milão), que também goza do apreço de Martini, ou a de Angelo Scola (arcebispo de Veneza) - ambos considerados seguidores do caminho traçado por João Paulo II.

O cardeal alemão entrou em choque com conterrâneos por várias razões. Uma delas seria o fato de que estes não engolem sua oposição à permissão que divorciadas casados em segundas núpcias possam comungar. Em relação aos prelados americanos, a queixa tem relação com o escândalo da pedofilia na arquidiocese de Boston, que afetou seriamente a imagem da Igreja no país, um dano que o próprio João Paulo II alertou ter sido subestimado. Para esse grupo, seria preferível ter como papa alguém mais ''maleável''.

As rivalidades internas e os vetos fazem parte dos segredos da eleição e muitos recordam que a divisão entre os italianos no Conclave de 1978 favoreceu a eleição do primeiro Papa polonês da história.

Ante a perspectiva de que se imponha um novo pontificado conservador em assuntos doutrinários, opostos ao matrimônio dos sacerdotes e às transformações sociais no campo sexual, da bioética e planejamento familiar, um setor do Colégio Cardinalício, que se reconhece em Martini, trava uma batalha de David contra Golias.

- O cardeal hondurenho Oscar Andrés Rodríguez Maradiaga fez uma intervenção com forte ênfase na renovação do Catolicismo, o que causou impacto - escreveu um vaticanista ao reconhecer uma tendência alternativa a Ratzinger, apoiada por Martini. O italiano, que também tem 78 anos como o alemão, se recolheu há três anos em Jerusalém e sofre do mal de Parkinson, o que o deixa de fora da corrida. Mas goza de forte influência e igualmente poderia impulsionar uma candidatura.

Na lista dos favoritos seguem além de Tettamanzi, o primado da Bélgica, Godfried Danneels, ou o arcebispo de Lisboa, o português José da Cruz Policarpo. Neste complexo panorama, muitos afirmam que o Conclave será mais longo do que o previsto (quatro dias) e que nenhuma surpresa pode ser descartada.