O Globo, n. 31613, 25/02/2020. País, p. 4

Eleições municipais: barriga de aluguel

Guilherme Caetano
Naira Trindade
Natália Portinari


Sem a certeza de que o Aliança pelo Brasil, partido idealizado pelo presidente Jair Bolsonaro, vai sair do papel a tempo das eleições municipais deste ano, candidatos bolsonaristas têm hoje duas siglas dispostas a recebê-los —o PRTB, do vice Hamilton Mourão, e o Republicanos, ligado à Igreja Universal. Outras legendas com afinidades ideológicas com Bolsonaro já sinalizaram falta de disposição a servir de “barriga de aluguel” para candidatos próximos ao presidente.

Bolsonaro já defendeu para aliados que o Aliança fique pronto apenas para as eleições de 2022, quando ele deve tentar a reeleição. A ideia do presidente é se manter neutro nos pleitos municipais, para evitar eventual desgaste com derrotas. No início do mês, o filho do presidente, Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), defendeu publicamente que o Aliança comece a disputar eleições apenas em 2022. Eduardo disse que o partido não pode cometer o mesmo erro do PSL, de aceitar pessoas sem “nenhum tipo de filtro”.

Para ser oficializado, o Aliança precisa recolher as 491.967 assinaturas exigidas pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e então dar início na Corte ao rito de fundação da sigla.

Data-limite

A data-limite para que o registro do Aliança fique pronto a tempo de a sigla disputar as eleições municipais é 4 de abril. Como quase ninguém acredita que todas as etapas sejam alcançadas até lá, possíveis candidatos começaram a procurar outros partidos para entrar na disputa.

A ideia de grande parte dos que gostariam de sair candidatos neste ano pelo Aliança é escolher outra legenda para disputar as eleições, e depois migrar para a sigla de Bolsonaro quando ela efetivamente sair do papel.

O presidente do Republicanos, Marcos Pereira, disse ter sido sondado por apoiadores de Bolsonaro. Ele se mostrou simpático à ideia, mas afirma que isso não significa que a sigla será necessariamente usada como “barriga de aluguel”.

— Casos pontuais serão devidamente avaliados. É um risco, porém calculado.

O combinado não sai caro. Há também o risco de gostarem do partido e optarem por ficar. Por que não? — disse Pereira.

Levy Fidelix, presidente do PRTB, disse que o fato de seu partido ter entre seus quadros o vice-presidente torna natural que a base de apoio ao governo se sinta atraída pela sigla.

— Aqui nós somos um partido verde e amarelo. O verde é uma sala e o amarelo é outra. Eu tenho a segurança de que, no futuro, uma sala possa estar com algumas pessoas a mais ou a menos, mas todos estarão sob o mesmo teto. Que venham, estamos de braços abertos — afirmou.

Antes abertas a pelo menos cinco partidos, as alternativas de filiação encolheram nas últimas semanas. Em São Paulo, o Patriota, partido que já teve Bolsonaro em suas fileiras, tomou uma decisão que afastou os bolsonaristas. Na semana passada, o partido concedeu a direção municipal da legenda ao Movimento Brasil Livre (MBL) e lançou o deputado estadual Arthur do Val, conhecido como Mamãe Falei, à prefeitura de São Paulo.

Desavenças

O ato pegou de surpresa o setor mais conservador ligado a Bolsonaro, que vê o MBL como inimigo. As desavenças entre os dois grupos começaram a inflamar quando os membros do MBL se recusaram a aderir a uma manifestação pró governo, organizada pela militância em maio do ano passado. Desde então, passaram a criticar algumas atitudes do presidente. A posição de não alinhamento com o governo desagrada os bolsonaristas.

Além disso, o candidato escolhido pelo Patriota já fez duras críticas a Bolsonaro. Por isso, deve levar a turma ligada ao presidente a procurar outra legenda.

— A gente deu um passo para trás, porque o Arthur vem criticando o presidente — afirmou a deputada federal Carla Zambelli (SP) em um encontro de lideranças e apoiadores do Aliança em São Paulo, no último dia 8.

Outros dois partidos antes citados por bolsonaristas interessados em disputar as eleições, o Podemos e o Democracia Cristã (DC), não demonstram mais tanta abertura ao projeto.

— Para ser barriga de aluguel e depois a pessoa migrar para o Aliança, a gente não tem interesse. Mas se quiser vir para construir o Podemos, serão muito bem-vindos — afirmou a deputada federal Renata Abreu (SP), presidente do Podemos.

José Maria Eymael, do DC, seguiu na mesma linha. Disse que houve procura por sua legenda, embora nada expressivo. Segundo ele, será bemvindo quem “vier para ficar”.

‘O apoio do presidente a Crivella seria bom’
Entrevista: Marcos Pereira

Primeiro vice-presidente da Câmara e presidente do Republicanos, o deputado Marcos Pereira (SP) considera “importante” o apoio de Jair Bolsonaro à reeleição do prefeito do Rio, Marcelo Crivella, mas se não vier, a neutralidade é a “segunda melhor opção”.

O que falta para oficializar o apoio do presidente à candidatura do Crivella?

Falta o presidente decidir. A informação que eu tenho é que Bolsonaro não vai apoiar ninguém, não vai se expor. Eu pessoalmente não conversei com ninguém do governo sobre isso. É um movimento que está sendo feito do Rio para cá.

O senhor avalia ser de suma importância o presidente apoiar Crivella?

O apoio é bom. O apoio de um presidente que tem uma aprovação grande, como ainda tem o Bolsonaro. Digo “ainda” porque o desgaste de quem está no governo é natural. Eu acho que é importante, até porque o Crivella tem uma pauta muito próxima da do governo.

Se não vier o apoio, essa sinalização do presidente de participar de eventos já ajuda?

A neutralidade seria a segunda melhor opção.

O que o Republicanos pretende para as próximas eleições?

Além do Crivella, no Rio, nós temos candidato em São Paulo, que pode ser o Celso Russomanno. Temos o Luizão Goulart, em Curitiba, que é deputado estadual. Nossa meta, apesar de audaciosa e difícil, não é impossível, é eleger 10% dos prefeitos, ou seja, algo em torno de 550. Nós elegemos 106 prefeitos na última eleição e 1.200 vereadores. Agora, a meta é eleger 3.500 vereadores.

Como o partido vai se posicionar?

O partido se coloca abertamente como movimento político conservador liberal. De centro direita, não de extrema direita.

O ministro Heleno disse que o Congresso está fazendo “chantagem” com o governo sobre a questão do Orçamento. Como o sr. avalia essa declaração?

É uma fala desrespeitosa. Não vi ninguém fazendo chantagem, isso é democracia. Nós votamos. O presidente vetou e nós derrubaremos ou manteremos (o veto).

Existe uma disputa na Câmara para assumir o comando da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ). O Republicanos deve ficar com ela?

Isso foi um acordo do presidente Rodrigo Maia para a reeleição dele. Ele fez um acordo conosco de que a CCJ ficaria com o Republicanos no ano de 2020.

O MDB também diz ter um acordo com Rodrigo Maia. Ele fez mais de um acordo, então?

Acho que não, eu confio na palavra dele. O que ele me diz é que o acordo é que nós teríamos a CCJ em 2020 e o MDB e o PDT nos próximos dois anos.

Existe uma iniciativa de Rodrigo Maia e do presidente do Senado, Davi Alcolumbre, de tentarem a reeleição?

Eu nunca ouvi essa disposição diretamente do Davi Alcolumbre. Do Rodrigo Maia, em algumas ocasiões, ele disse que não iria fazer nenhum movimento para que isso acontecesse. Disse até ser contrário. Eu já falei para o Rodrigo que o Republicanos não tem condição de votar uma PEC (Proposta de Emenda à Constituição) para dar reeleição mais uma vez. É muito casuísmo.

O sr. é candidato à Presidência da Câmara?

Não sou candidato, mas também não vou dizer que sou, acho que tem que aguardar, está muito cedo.

A bancada evangélica quer tentar imunidade tributária na reforma tributária?

A Constituição fala que são para templos de qualquer culto. Fala-se muito da bancada evangélica, mas se isso ocorrer todas as religiões serão beneficiadas.