O Globo, n.31.630, 13/03/2020. Editorial. p.02

Prevenções rígidas são essenciais contra o vírus

 

Em mais um dia de queda nos mercados financeiros, a epidemia mundial de coronavírus começou a receber um tratamento preventivo mais duro nas Américas, como indicado. A China, que já mostra evidências de sair da epidemia — anteontem foram registrados poucos casos de pessoas contaminadas na cidade de Wuhan, epicentro mundial da doença —, passou a ser seguida pela Europa no vigor de medidas para evitar a aglomeração e circulação de pessoas.

Deve-se considerar a diferença entre o poder de coerção do Estado numa ditadura forte e consolidada como a chinesa e numa democracia como a italiana. Mas a experiência está mostrando que informações corretas, claras, abundantes e difundidas de maneira eficiente, caso da Itália, funcionam. Fotos de ruas, praças, lugares turísticos italianos vazios, só imaginados em filmes de ficção, comprovam que não é preciso acabar com a democracia para combater epidemias. As ditaduras cometem erros e desperdiçam recursos até por excesso de poder. O necessário são ações eficazes de um poder público competente para mobilizar as populações.

Na quarta-feira, começaram a se alastrar ações acertadas, nos Estados Unidos e na América Latina, para evitar aglomerações, uma das maneiras mais eficazes de conter a dispersão deste coronavírus, que tem a característica de passar de pessoa a pessoa com extrema facilidade. Mais do que outros vírus de gripe e doenças respiratórias que costumam se espalhar no mundo a cada ano a partir da Ásia, onde o convívio muito próximo entre humanos e animais é um berçário de patologias. Daí as gripes suína, aviária e outras do gênero. De tempos em tempos, os vírus sofrem mutações no salto de animais para pessoas que os tornam muito perigosos. Como este, o Sars-CoV-2, causa da Covid-19, a epidemia da vez.

A programação de eventos esportivos tem sido revista. Transcorrem na Europa jogos de futebol sem torcida. Isso já ocorreu em partidas da Liga dos Campeões. A epidemia afeta todos os campeonatos no continente. Não é preciso suspender as partidas, mas a Itália parou o campeonato nacional, e a Conmebol, a Confederação Sul-Americana de Futebol, avaliou a situação e pediu à Fifa para adiar o início das eliminatórias no continente para a Copa do Qatar. O Brasil, então, não deverá estrear mais, na fase preliminar da Copa, no dia 27.

Nos Estados Unidos, uma partida da NBA, liga de basquete, foi suspensa porque um dos jogadores testou positivo para o vírus. Todos os jogos foram adiados. Em Washington, Trump fechou as portas do país, a partir de domingo, para europeus — em temporada eleitoral, a medida recebeu fortes críticas da oposição democrata. Com razão, a União Europeia reagiu diante da ausência de qualquer comunicação ou consulta prévias. Mas fechar as pistas para aviões saídos da Europa vai na linha acertada, embora a medida tenha sido adotada no estilo Trump de governar. O sentido da ideia pode ser bom, porém vira um desastre na execução.

O blog de Helio Gurovitz, do G1, traz um gráfico esclarecedor, publicado na revista britânica “The Economist”, com contribuições do especialista em saúde pública Drew Harris, a partir de recomendações do Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDCs) referentes a gripes (ver abaixo).

Ele mostra dois cenários: o de uma epidemia sem medidas de controle e prevenção, e o outro, com esses cuidados. Na primeira simulação, o número de casos explode e ultrapassa bastante a capacidade da estrutura de o sistema de saúde atender a população. É certo que o número de mortes cresce.

Numa situação real ocorre o mesmo. Ou melhor, já aconteceu, segundo informações do “Washington Post” sobre os danos causados em 1918 pela Gripe Espanhola, espalhada por um desses vírus, na Filadélfia e em St. Louis. No mundo, a pandemia causou mais de 50 milhões de mortes.

Um gráfico idêntico ao editado na “Economist” repete as duas curvas: em Filadélfia o número de mortos em relação à população foi muito mais alto do que em St. Louis. Motivo: confirmado o primeiro caso da gripe, na Filadélfia, do dia 17 de setembro daquele ano, as autoridades não se preocuparam e portanto não tomaram qualquer providência para impedir aglomerações de pessoas de qualquer tipo. A vida continuou como se tudo estivesse normal. O governo só começou a agir quando a gripe havia se alastrado. Em outubro houve o pico de 250 mortes por grupo de 100 mil pessoas.

Já em St. Louis, a primeira infecção pela Gripe Espanhola foi identificada em 5 de outubro. No dia 7, o poder público começou a executar medidas de prevenção. Por isso, as mortes na cidade foram de pouco mais que 50 por 100 mil habitantes. Os dados são irrefutáveis.