Título: Viajei no Aerolula
Autor:
Fonte: Jornal do Brasil, 15/04/2005, Outras Opiniões, p. A13
O avião presidencial é um sonho de consumo que passou a integrar a imaginação dos brasileiros. Construíram tantas fantasias que as pessoas passaram a pensar que ele não era avião, mas um palácio voador, cheio de encantos e surpresas, coisa das Mil e uma noites.
O presidente Luís Inácio Lula da Silva, numa iniciativa temerária e idealista, resolveu ir a Roma para os funerais de João Paulo II, acompanhado de uma comitiva eclética-ecumênica com os ex-presidentes, diga-se o próprio que estas escreve, Fernando Henrique e Itamar Franco, mais pesos-pesados, como Severino Cavalcanti, o novo e consagrado ''pop-star'', reforçando a representação com Renan Calheiros e impondo a todos a guarda da Constituição com a presença do nosso nunca demais respeitado ministro Nelson Jobim, presidente do STF e, como escrivão da armada, o senador Mercadante, líder do governo.
Era o Brasil, na expressão dos seus símbolos e poderes, demonstrando o respeito e o pesar pela morte de quem foi grande na vida e maior será na eternidade, o papa Karol Wojtyla.
Para mostrar a nossa unidade, deu-nos a alegria da presença do rabino Henry Sobel, do xeque Armando Hussein Salek, do pastor luterano Rolf Shunemann, e, atento aos orixás, convidou a mãe de santo Nitinha, que perdeu o avião e o encanto das nuvens cruzadas pelo Aerolula. Dom Scherer, secretário geral da CNBB, e Dom João Aviz, arcebispo de Brasília, com aquele seu jeito de João XXIII, eram os nossos párocos.
Dois caças Mirage escoltavam o avião, numa proximidade tão perigosa que pedi ao presidente Lula: ''Diga-lhes muito obrigado e peça para se afastarem, podem bater.''
Quando entrei no avião, com a imaginação do PSDB na cabeça, sobre os luxos do avião, sofri uma imensa decepção. Foi tão grande que me perturbou a viagem. O tal avião nababesco era igual ao Airbus 319 da TAM, em que sempre viajamos para São Luís. Apertado, de uma configuração franciscana, e o quarto do presidente mais acanhado do que o de cozinha de quitinete. Dão saudades os espaços largos do ''sucatão''. Disseram-me que o que faltava em cima estava em baixo, era querosene, para dar mais autonomia de vôo. Pensávamos voar num Aerolula e voávamos espoliados pelo querosene, que ocupou nosso conforto.
O mais simpático da viagem foi a comovente simplicidade de dona Marisa, comemorando seu aniversário sob as preces ecumênicas recitadas em hebraico, árabe e latim.
Depois, veio o almoço. O rapaz de bordo anuncia o cardápio: ''Fritada de Lula.'' Fernando Henrique pediu logo: ''Este é meu.'' Já Lula respondeu: ''Quero tucano ao molho pardo.'' ''Não tem.'' ''Então traz a galinha de cabidela.'' Eu, diante dessa sub-intenção de pratos, disse logo: ''Não quero almoçar''.
Minha mulher, quando cheguei, foi logo indagando: ''E a conversa no avião?'' ''Não teve.'' ''Como? Com tanta gente inteligente!'' ''Justamente por isso. Todos jogaram na retranca.''
Em determinado momento, morrendo a prosa, quis propor uma lista dos de quem se poderia falar mal sem divergência: Saddam, Bush, Berlusconi, Cardeal Law (de Boston). Aí, surgiu a salvação: o nosso Severino dominou o vazio com as histórias de João Alfredo e seus pensamentos políticos, além da revelação que fez ao presidente: ''Olhe, presidente, quem mais lhe ajudou e continua ajudando sou eu. Não cedo meu lugar a ninguém''.
Lula respondeu: ''E eu sem saber de nada. Muito obrigado.''