O Globo, n. 31490, 25/10/2019. País, p. 4

'Tem mais de 500 cargos lá'

Juliana Dal Piva


Oito meses depois de ser exonerado do gabinete de Flávio Bolsonaro na Assembleia Legislativa do Rio (Alerj), o ex-policial Fabrício Queiroz continua sendo consultado sobre nomeações no Legislativo e admite ainda ter “capital político”. O GLOBO obteve um áudio de WhatsApp, de junho deste ano, no qual o ex-assessor sugere a um interlocutor como proceder para fazer indicações políticas em gabinetes de parlamentares. Procurado pelo GLOBO, Queiroz admitiu, em nota, que mantém a influência por ter “contribuído de forma significativa na campanha de diversos políticos no Estado do Rio de Janeiro”. Também em nota, Flávio Bolsonaro negou que tenha aceitado indicações do ex-assessor e que mantenha qualquer contato com ele desde o ano passado.

Queiroz é investigado pelo Ministério Público do Rio (MP-RJ) por suposta prática de rachadinha —quando servidores comissionados devolvem parte do salário. Ele esteve no gabinete de Flávio na Alerj entre 2007 e 2018 e, no período, emplacou sete parentes na estrutura.

Orientação

Em conversa por áudio via WhatsApp do início de junho, Queiroz debate com um interlocutor a situação de cargos que podiam ser usados por aliados no Congresso. No diálogo, ele sugere que as indicações poderiam ser feitas por meio de comissões ou em gabinetes de outros deputados e senadores, e não apenas em cargos vinculados à família Bolsonaro.

— Tem mais de 500 cargos, cara, lá na Câmara e no Senado. Pode indicar para qualquer comissão ou, alguma coisa, sem vincular a eles (família Bolsonaro) em nada — diz Queiroz, no áudio, para depois complementar: — 20 continho aí para gente caía bem pra c**.

Na conversa, Queiroz descreve o gabinete de Flávio no Senado como um lugar muito demandado por parlamentares. Em maio, em entrevista ao jornal “O Estado de S. Paulo”, Flávio alegou não saber o paradeiro de Queiroz e justificou:

— Ele tem um CPF e eu outro.

No áudio obtido pelo GLOBO, Queiroz demonstra conhecer o funcionamento do gabinete do senador e sugere que o interlocutor poderia procurar parlamentares que frequentam o local para tratar de nomeações.

— O gabinete do Flávio faz fila de deputados e senadores, pessoal para conversar com ele, faz fila. Só chegar lá e nomeia fulano aí para trabalhar contigo aí, salariozinho bom desse aí para a gente que é pai de família, cai como uma uva — diz Queiroz, no áudio.

O líder da Rede no Senado, Randolfe Rodrigues (AP), estuda apresentar uma representação na Procuradoria-Geral da República para que o órgão se manifeste sobre o áudio.

— É muito grave, ele indica que a influência do senhor Queiroz, ao contrário do que tinha sido negado pela família Bolsonaro, continua ocorrendo nos altos escalões do governo —disse o senador.

Em depoimento, por escrito, entregue ao MP-RJ em 28 de fevereiro deste ano, Queiroz disse que tinha uma função que “se assemelhava a do chefe de gabinete” e que “tinha a possibilidade de nomear assessores”. No entanto, segundo ele, atuava para “gerenciar as questões relacionadas à atuação dos assessores fora do gabinete do deputado”. Por isso, os funcionários devolviam parte dos salários para ele, o que permitiria supostas contratações de pessoas que não atuavam na Alerj e sim na “base”.

Queiroz se comprometeu a entregar alista desses funcionários, mas, até o momento, isso não ocorreu. Essas contratações não seguem as regras da Assembleia. Como revelou o GLOBO em agosto, Queiroz conseguiu nomeações para sete parentes no gabinete de Flávio. Esse número inclui a mulher, duas filhas, a enteada, uma ex-cunhada, entre outros familiares.

Milícia

Além disso, ele admitiu ser o responsável pelas contratações de Danielle Nóbrega e Raimunda Veras Magalhães no gabinete de Flávio na Alerj. Elas são, respectivamente, ex-mulher e mãe do ex-capitão do Bope Adriano Magalhães da Nóbrega — investigado por ser o líder de uma milícia que atuava na zona oeste do Rio. Danielle ficou nomeada ao longo de dez anos e foi exonerada junto coma ex-sogra em 13 de novembro de 2018.

Em 6 de dezembro do ano passado, Queiroz comunicou Danielle por WhatsApp que ela fora exonerada porque ambos passaram a ser alvo de investigação. As apurações sobre rachadinha começaram a partir de um relatório do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) que apontou movimentações financeiras de R$1,2 milhão entre janeiro de 2016 e janeiro de 2017.

Dez dias depois da conversa, Queiroz foi para São Paulo iniciar um tratamento de câncer. Ele faltou às convocações do MP e prestou apenas um depoimento por escrito, em fevereiro deste ano, no qual admitiu que ficava com parte dos salários dos servidores para supostamente efetuar outras contratações. Depois disso, passou oito meses sem ser visto. Em agosto, a revista “Veja” divulgou fotos dele no Hospital Albert Einstein.

Ex-assessor afirma manter influência porque contribuiu na campanha de políticos