O Globo, n. 31499, 03/11/2019. País, p. 8

O silêncio no Supremo e seus porquês
Carolina Brígido 


Mesmo em uma semana sem sessão plenária e com boa parte de seus ministros fora de Brasília, o Supremo Tribunal Federal (STF) não conseguiu sair da berlinda. Primeiro, o presidente Jair Bolsonaro, em sua conta no Twitter, publicou um vídeo em que se comparava a um leão com várias hienas em volta, representando ameaças. Uma delas ostentava o logotipo do STF. O presidente da Corte, Dias Toffoli, silenciou, em vez de defender o tribunal publicamente.

A tarefa coube ao mais antigo ministro, Celso de Mello, que emitiu nota dizendo que “o atrevimento presidencial parece não encontrar limites na compostura que um chefe de Estado deve demonstrar”. Ainda segundo o decano, a comparação do STF com uma hiena era absurda e grosseira.

Marco Aurélio Mello também veio à público para defendera instituição. Chamou ovídeo de “tática rasteira” e lembrou que “o exemplo, especialmente para o cidadão leigo, vem de cima”.

Na última quinta-feira, o deputado Eduardo Bolsonaro(PSL-SP) cogitou um novo AI-5 como resposta a eventual radicalização da esquerda. De novo, Toffoli ficou calado. E, de novo, Marco Aurélio se antecipou. “A democracia está sendo testada. A truculência, partindo de uma autoridade parlamentar, é lastimável”, disse o ministro.

O silêncio do comandante da Corte não é gratuito. Na semana passada, o Supremo começou a julgar se réus condenados em segunda instância podem começara cumprir pena. A discussão deve terminar na próxima semana. Em um período esmagado entre o início e o fim de um julgamento caro para o governo, quanto mais silêncio houver entre os vértices da Praça dos Três Poderes, melhor.

A expectativa é que, na próxima semana, fiquem cinco ministros em defesa da tese da segunda instância e outros cinco pelas prisões depois do trânsito em julgado — ou seja, quando forem analisados todos os recursos de direito da defesa. Toffoli, o último a votar, deverá desempatar. No tribunal, a expectativa é que ele vote contra as prisões de condenados em segunda instância.

Com um discurso punitivista, o governo de Jair Bolsonaro ficará contrariado com o voto de Toffoli — e, como consequência, com o resultado do julgamento. Como já tem esse entrevero com o Palácio do Planalto agendado para a próxima semana, Toffoli preferiu calar-se agora, para deixar menos tenso o clima do STF com o governo.

Já com o resultado do julgamento da segunda instância em mente, dias antes de começarem as discussões no STF, Toffoli se reuniu com Bolsonaro. Apesar da situação adversa, ele quer manter relações institucionais próximas com o presidente, como tem feito desde que assumiu o comando da Corte, em setembro do ano passado. Boa parte dessa relação é alimentada pelo contato que Toffoli tem mantido com os militares. O principal interlocutor entre o presidente do tribunal e a caserna é o ministro da Defesa, Fernando Azevedo, que foi assessor especial do STF antes de Bolsonaro assumir o cargo.