Título: Dinheiro público alimentou campanhas
Autor: Hugo Marques
Fonte: Jornal do Brasil, 06/10/2004, País, p. A-2

Enquanto se arrasta no país a discussão sobre financiamento público de campanhas políticas, um grupo de 46 deputados - mesmo sem comparecer ao trabalho na Câmara - gastou verba indenizatória em setembro, mês que antecedeu as eleições. Alguns admitiram que o dinheiro da Câmara foi gasto em campanhas municipais.

No relatório de presença do plenário em setembro, o deputado João Carlos Bacelar (PFL-BA) só acumula ''ausências não justificadas''. Mesmo assim, gastou R$ 11,2 mil em combustível no mês. Reconhece que o dinheiro foi usado em eleição no interior baiano e justifica com a alegação de que o presidente Lula gastou dinheiro público para apoiar Marta Suplicy em São Paulo. Bacelar não acha antiético gastar dinheiro da Câmara na campanha e vai incluir mais R$ 15 mil de gastos com aviões na conta de outubro:

- Queria que eu botasse (dinheiro) de onde? Que eu roubasse? - retrucou.

O deputado José Mendonça Bezerra (PFL-SE) gastou em setembro R$ 8,1 mil em combustível e R$ 3,8 mil em locomoção, hospedagem e alimentação. Também só tem ''ausências não justificadas'' no período.

- Se fossem gastos com raparigas, vocês deveriam reclamar. Mas gastei com meus prefeitos. Trabalhei fazendo campanha - diz.

O deputado José Priante (PMDB-PA) gastou R$ 11 mil em combustível em setembro e também só acumula ausências não justificadas em Brasília no período. Ele diz que o Pará é um Estado ''continental'' e justifica os gastos de campanha.

- A participação do parlamentar na vida nacional é prioritária - justifica.

Do mesmo PMDB paraense, o deputado Wladimir Costa gastou R$ 12 mil, a maior parte em combustível. Ele teve quatro ausências não justificadas na Câmara em setembro, mês em que diz ter manifestado ''apoio'' aos candidatos, além de ''ação social''.

- Já que as coisas pouco andam em Brasília, a gente tem que trabalhar em favor do Estado - raciocina Costa.

O deputado Deley (PV-RJ) gastou R$ 13,5 mil em setembro e também só tem ausências não justificadas na Câmara. Segundo sua assessoria, as faltas ocorreram por doença na família. O deputado justifica os gastos com verba indenizatória.

- Andei para caramba. Cheguei a percorrer uns 3 mil km no Estado. O meu partido não tem dinheiro nenhum para a campanha.

O deputado Rodrigo Maia (PFL-RJ) acumula ausências não justificadas desde 25 de agosto. Gastou R$ 9,5 mil da verba indenizatória, mais da metade em locomoção, hospedagem e alimentação. Maia mostrou-se irritado ao ser perguntado se não é antiético usar dinheiro da Câmara na eleição e devolveu a comparação:

- Quem não paga imposto também não é antiético?

A verba indenizatória, diz a legislação da Câmara, foi criada para ressarcir despesas ''diretamente'' relacionadas com o exercício do mandato parlamentar. O deputado Colombo (PT-PR) gastou em setembro R$ 10.100 em combustível, mesmo sem trabalhar no período. Ele jura que o dinheiro não foi usado para fazer campanha eleitoral.

Alguns parlamentares recorrem à matemática para comprovar que gastaram corretamente o dinheiro da Câmara, mas são traídos pelos números. Também com ausências não justificadas na Câmara em setembro, o deputado Pompeo de Mattos (PDT-RS) gastou R$ 7,3 mil em combustíveis.

- Fiz, em quatro meses, 60 mil quilômetros - diz.

O parlamentar gastou R$ 30,3 mil em combustíveis nos últimos quatro meses, o suficiente para rodar 140 mil km com um carro que faça 10 km por litro.