O Estado de S. Paulo, n. 46936, 20/04/2022. Política, p. A12

Presidente do STM diz que áudio 'não estragou Páscoa de ninguém'

Weslley Galzo


O presidente do Superior Tribunal Militar (STM), general Luiz Carlos Gomes Mattos, rompeu o silêncio sobre os áudios em que ministros da Corte, durante a ditadura, apontam a prática de tortura por agentes das Forças Armadas no período de 21 anos em que vigorou o regime de exceção. Durante a sessão de julgamento ontem, a primeira após a revelação do material, Mattos afirmou que não tinha "resposta a dar". "Não estragou a Páscoa de ninguém", disse ele, referindo-se à data da divulgação dos áudios.

O general chamou de "tendenciosas" as notícias sobre as gravações. "A gente já sabe os motivos, do porquê isso vem acontecendo nesses últimos dias, seguidamente, por várias direções, querendo atingir as Forças Armadas, o Exército, a Marinha, a Aeronáutica, nós que somos quem cuida da disciplina, da hierarquia. Não temos resposta nenhuma para dar, simplesmente ignoramos uma notícia tendenciosa daquela, que nós sabemos o motivo", disse Mattos.

Embora tenha dito ignorar as revelações, Mattos assumiu ter ficado incomodado com o escrutínio público do passado torturador de setores das forças de segurança. "Não têm nada para buscar hoje, vão buscar no passado, rebuscar o passado. Só varrem um lado. Não varrem o outro. É sempre assim, já estamos acostumados com isso", afirmou. Segundo ele, as sessões do STM sempre foram "transparentes".

Aborto. Em um dos áudios revelados, o general Rodrigo Octávio relata, em 24 de junho de 1977, o aborto sofrido por Nádia Lúcia do Nascimento, aos três meses de gravidez, em decorrência de sucessivos "choques elétricos em seu aparelho genital". O ministro fala em "castigos físicos" sofridos pela vítima em uma unidade do Doi-codi, órgão de repressão política sob comando do Exército que agia nos Estados, no combate à oposição ao regime. Na ocasião, o oficial cobrou a investigação do caso.

Em sessão ocorrida em 1976, o então ministro do STM Waldemar Torres da Costa disse que "quando as torturas são alegadas e, às vezes, impossíveis de serem provadas, mas atribuídas a autoridades policiais, eu confesso que começo a acreditar nessas torturas porque já há precedente". Outro áudio revela a denúncia de um dos ministros sobre casos de tortura policial durante a ditadura. No processo analisado, os agentes do regime teriam extraído forçosamente uma confissão de roubo a banco de um preso político.

As 10 mil horas de gravações de sessões do Superior Tribunal Militar entre 1975 e 1985 foram obtidas pelo advogado criminalista e pesquisador Fernando Fernandes e pelo historiador Carlos Fico, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Parte das gravações foi revelada pela jornalista Míriam Leitão, do jornal O Globo, e confirmada pelo Estadão.

Em 2006, Fernandes pediu acesso ao material, mas a solicitação foi rejeitada. Apenas em 2015, após o plenário do Supremo Tribunal Federal confirmar uma decisão da ministra Cármen Lúcia, foi feita a entrega do material. Em breve, todo o conteúdo das sessões estará disponível em um site que está em fase de conclusão.

Nesta semana, o senador Humberto Costa (PT-PE), em ofício ao presidente do STM, cobrou o envio das gravações à Comissão de Direitos Humanos (CDH) do Senado. O parlamentar, que preside o colegiado, destacou que os áudios revelados "registram relatos de casos de tortura durante a ditadura militar". A comissão do Senado deve analisar o material para propor providências.

'Túmulo'. Anteontem, o vice-presidente da República, Hamilton Mourão (Republicanos), ironizou a tentativa dos parlamentares de apurar os crimes apontados nos áudios do STM. "Apurar o quê? Os caras já morreram tudo, pô. Vai trazer os caras do túmulo de volta?", afirmou o general da reserva. "Isso é história, já passou. É a mesma coisa de voltar para a ditadura do Getúlio. São assuntos já escritos em livros, debatidos intensamente" completou o vice. •

"Não temos resposta nenhuma para dar, simplesmente ignoramos uma notícia tendenciosa daquela."

Luiz Carlos Gomes Mattos

Presidente do Superior Tribunal Militar (STM)