O Globo, n.31.582, 25/01/2020. País. p.08

No Twitter, base defendeu Segurança com Moro
Marlen Couto

 

Recriação de ministério gerou mais de 300 mil postagens na rede social em apenas 24 horas, segundo levantamento da DAPP/FGV. Debate ficou concentrado em perfis à direita e que apoiam o governo Bolsonaro

A proposta de recriar o Ministério da Segurança Pública e esvaziar a pasta hoje comandada por Sergio Moro — depois descartada pelo presidente Jair Bolsonaro — mobilizou no Twitter mais de 300 mil menções em apenas 24 horas, entre a última quinta-feira e ontem. É o que aponta um levantamento da Diretoria de Análise de Políticas Públicas da Fundação Getúlio Vargas (DAPP/ FGV) feita a pedido do GLOBO. Os dados revelam que o debate na plataforma sobre a mudança na pasta comandada por Moro ficou concentrado em grupos à direita e da base de apoio ao governo. Segundo a DAPP/ FGV, esses perfis foram responsáveis por 82% dos tuítes sobre o assunto na rede social. Já os perfis ligados à oposição a Bolsonaro, com críticas ao presidente e também a Moro representaram apenas 15% das publicações.

Na base de apoio ao presidente, as publicações majoritariamente defenderam a manutenção da Segurança Pública no ministério de Moro e fizeram elogios ao desempenho do governo na área, sem criticar diretamente o presidente. Um dos principais pontos mencionados por esses usuários do Twitter foi a redução de índices de criminalidade ao longo de 2019. Levantamento do Monitor da Violência, do G1, indica que houve redução de 22% nos homicídios dolosos no país entre janeiro e setembro do ano passado em relação ao mesmo período de 2018. Especialistas ponderam, no entanto, que não há um fator único capaz de explicar a queda de homicídios e que a atuação de governos estaduais também deve ser considerada.

PRESSÃO SOCIAL

Estudioso do bolsonarismo, o professor do Departamento de Estudos de Mídia da Universidade da Virgínia David Nemer defende que a pressão da base do governo nas redes sociais tem relação direta com o recuo de Bolsonaro na recriação da pasta e com outras decisões recentes do presidente, como a demissão do secretário de Cultura, Roberto Alvim, após seu discurso com referências nazistas. — Bolsonaro usa sua audiência no Twitter para entender como sua base vai reagir. Sempre está ali ouvindo, é um laboratório de experiências — diz o pesquisador, acrescentando: — Bolsonaro não quis se contrapor a sua base próMoro e Lava-Jato, que é importante e não é tão fiel a seu governo.

Não à toa as reações de seus apoiadores levaram o presidente a se manifestar em suas próprias redes sociais ontem. Bolsonaro publicou um vídeo pedindo "calma" aos seus seguidores e defendendo que eles não "potencializem" discordâncias que tenham com o governo. Apesar de não se referir ao debate sobre a pasta da Segurança

Pública, o presidente disse que acompanhava as redes sociais "apesar da internet no avião ser muito fraca", indicando que estava tratando de uma discussão que ocorreu enquanto viajava para a Índia.

— Não espere que eu esteja 100% contigo, nem no casamento dá 100%. E aqui tem coisa que a gente destoa. Agora, não potencializem isso. E me critiquem quando eu realmente errar. Se eu errar, desce o cacete. Enquanto está em fase de gestação, discussão, estudo, calma, pessoal, calma aí, senão, não vai dar certo —disse Bolsonaro no vídeo, feito dentro de um carro, em Nova Délhi.

NOVO PERFIL

Nemer, da Universidade da Virgínia, destaca ainda que a estratégia de usar a rede social para avaliar o humor da própria base começa a ser adotada também por Sergio Moro. Depois de criar uma conta no Twitter, o ministro aderiu anteontem ao Instagram, onde seu perfil já soma mais de 600 mil seguidores 24 horas após sua criação. —O perfil no Instagram vem justamente para o Moro ficar mais próximo da população e ver como ela está reagindo. Quanto mais presença nas redes sociais, mais forte Moro fica e mais recuado fica Bolsonaro. Moro acaba virando ameaça porque sua base se sobrepõe a de Bolsonaro — analisa o pesquisador.