O Globo, n.31.582, 25/01/2020. Mundo. p.34

Vírus chega à Europa
Gabriel Martins 
João Sorima Neto 


 

Com a maior aversão a risco no exterior, após a confirmação de casos de coronavírus nos Estados Unidos e na França, o dólar comercial fechou em alta de 0,43%, a R$ 4,18, e o Ibovespa (principal índice de ações da B3) perdeu o patamar dos 119 mil pontos.

O índice fechou em queda de 0,96% aos 118.376 pontos. Investidores embolsaram lucros na Bolsa e buscaram ativos de menor risco, como o dólar. — Agora, os investidores deverão acompanhar o monitoramento de novos casos da doença fora da China durante o final de semana — disse Pedro Galdi, analista da Mirae Asset Management. Entre as ações com maior peso no Ibovespa, os papéis ordinários (ON, com direito a voto) da Petrobras caíram 0,64%, a R$ 31,03, enquanto os preferenciais (PN, sem voto) recuaram 0,84%, a R$ 29,40. Itaú PN recuou 0,99%, a R$ 34,16, e Bradesco PN perdeu 0,75%, a R$ 34,35. As ações ON da Vale tiveram queda de 2,77%, a R$ 53,96. O mercado também acompanhou as declarações do presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto. Em entrevista ao jornal Valor Econômico, ele disse que o BC está “confortável” com a inflação e que o choque do aumento do preço da carne no fim do ano passado vai se dissipar rapidamente. Mas, em evento ontem da corretora XP em São Paulo, Campos Neto afirmou que uma inflação de 3,5% em 2020 — projetada no mercado de juros — não incomoda, “mas também não quer dizer que não estamos mirando a meta”. Isso, segundo Galdi, indica que os juros podem subir se houver sinais de que a inflação ficará acima da meta. Campos Neto disse ainda que o movimento atual do câmbio, com a desvalorização do real, “desta vez é bem diferente” do visto no passado.

O presidente do BC afirmou também que o fato de o Ibovespa acumular recordes mesmo em meio à saída de estrangeiros deve-se ao efeito migratório gerado pelo juro local mais baixo. O juro baixo ajuda a impulsionar o mercado de ações. Com os preços mais altos, o investidor internacional começa a comparar o Brasil a outros mercados. —Se continuarmos fazendo o dever de casa, os estrangeiros vão voltar — disse Campos Neto.

Além de assustar países asiáticos —principalmente a China, onde já deixou 41 mortos e 1.287 infecções —, o coronavírus chegou ontem, pela primeira vez, na Europa. A França anunciou seus três primeiros casos confirmados, com dois pacientes hospitalizados em Paris e um em Bordeaux. No Reino Unido, o primeiro-ministro Boris Johnson se reuniu com lideranças do governo para planejar uma resposta emergencial à possível chegada do vírus no território britânico. Os epidemiologistas dão respaldo às medidas preventivas — segundo estudo divulgado ontem pela Escola Médica da Universidade de Lancaster, no Reino Unido, apenas 5% das infecções estão sendo efetivamente detectadas na China, e a epidemia cresce num ritmo rápido o suficiente para atingir mais de 130 mil casos em dez dias. A ministrada Saúde da França, Agnes Buzyn, admitiu que é provável que outras ocorrências sejam registradas no país. Um dos pacientes internados em Paris retornou há dois dias de uma viagem à China, que incluiu uma passagem pela cidade de Wuhan, epicentro do surto de coronavírus.

Os EUA, por sua vez, confirmaram nesta sexta-feira o segundo caso de coronavírus. A paciente é uma mulher de cer cade 60 anos que retornou de Wuhan no últimos dia 13. O surto provocou uma corrida aos mercados da Chinatown de Manhattan, em Nova York, onde as máscaras desapareceram das prateleiras — a maioria, segundo os compradores, seria enviada a seus parentes na Ásia. O presidente Donald Trump elogiou no Twitter as iniciativas do governo chinês: “A China está trabalhando bastante para conter o coronavírus. Os EUA agradecem por seus esforços e transparência. Tudo vai dar certo. Agradeço particularmente, em nome do povo americano, ao presidente Xi (Jinping)!”. Até a noite de ontem, dos 1.287 pacientes infectados na China, pelo menos 180 estavam em estado grave. Outros 1.072 casos estão sendo investigados no país.

Entre os 41 mortos, a média deidade é de 75 anos. Para evitar a propagação do vírus, dez cidades adotaram medidas de confinamento, como a suspensão do transporte público na região de Wuhan, onde foram registrados os primeiros episódios do surto. Com isso, 40 milhões de pessoas estão “isoladas”.

HOSPITAL EM UMA SEMANA

As autoridades de Wuhan anunciaram ontem que irão construir até a semana que vem um hospital de mil leitos dedicados ao tratamento das vítimas do vírus. As obras já começaram. Atrações turísticas, como a Cidade Proibida de Pequim e trechos da Muralha da China, foram fechadas. Alguns templos também não abrirão as portas durante a celebração do Ano Novo Lunar — as festas começam hoje e duram uma semana.

Também já foram confirmados casos de coronavírus em outros seis países asiáticos — Cingapura, Coreia do Sul, Japão, Nepal, Tailândia e Vietnã —, além de Hong Kong, Macau e Taiwan. O caso registrado na Arábia Saudita ainda não foi confirmado pelo governo.

O Brasil ainda não registrou nenhum caso suspeito. A Agência Nacional de Vigilância Sanitária preparou planos de contingência para atender eventuais episódios, veiculará instruções para passageiros em aeroportos e pediu para que companhias aéreas e empresas que trabalham na limpeza e desinfecção de aeronaves sigam protocolos já existentes para as suas atividades.

MEDIDAS INSUFICIENTES

O epidemiologista inglês Jonathan Read, da Universidade de Lancaster, publicou um estudo demonstrando que as medidas de contenção impostas em Wuhan não devem ser suficientes para conter o surto.

O levantamento indica que o novo patógeno, batizado com o acrônimo 2019-nCoV (novo coronavírus de 2019), se espalha mais rapidamente do que os outros dois coronavírus agressivos que já causaram pandemias, as doenças respiratórias Sars e Mers. “Com uma redução efetiva de 99% nas viagens, o tamanho da epidemia fora de Wuhan seria reduzido apenas em 25% até 4 de fevereiro”, escreveu Read. O estudo foi realizado em parceria com as universidades da Flórida e de Glasgow. Os pesquisadores afirmam que, diferentemente do que ocorreu quando a Sars eclodiu, em 2002, o governo chinês agora agiu de forma rápida para notificar o planeta da epidemia. Mas desta vez a própria natureza da doença torna mais difícil sua contenção. O problema talvez esteja justamente no fato de ser uma doença com sintomas iniciais menos graves.

Em outro estudo, o infectologista Anthony Fauci, do Instituto Nacional de Doenças Alergênicas e Infecciosas dos EUA, concluiu: “Por enquanto, aparentemente a taxa de fatalidade do 2019nCoV é menor que a dos vírus da Sars e da Mers, mas o escopo e os efeitos finais do surto ainda precisam ser vistos”.

“Com uma redução efetiva de 99% nas viagens, o tamanho da epidemia fora de Wuhan seria reduzido apenas em 25% até 4 de fevereiro” _

Jonathan Read, epidemiologista

“Aparentemente a taxa de fatalidade é menor do que a do vírus da Sars e da Mers” _

Anthony Fauci, infectologista