O Globo, n.31.581, 24/01/2020. País. p.06

Bolsonaro tenta se afastar da autoria de proposta
Naira Trindade 
Gustavo Maia 


 

Com a repercussão da declaração do presidente Jair Bolsonaro, ontem, de que estuda recriar a pasta da Segurança Pública — o que esvaziaria o Ministério da Justiça comandado por Sergio Moro —, aliados deflagraram uma operação para tentar afastá-lo da autoria da proposta, que pode abalar a relação com o ministro. O próprio Bolsonaro compartilhou mensagens do ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), Augusto Heleno, que atribui a ideia à maioria dos secretários estaduais de Segurança que estiveram em Brasília. No entanto, o presidente foi avisado, horas antes da reunião feita com esses gestores, de que o pedido seria pautado na ocasião.

O aviso partiu do secretário de Segurança Pública do Distrito Federal, Anderson Gustavo Torres, que teve a primeira agenda do dia com Bolsonaro, às 7h da manhã de quarta-feira. O governador do DF, Ibaneis Rocha, assumiu a paternidade da ideia. Ele firmou ao GLOBO ter recomendado ao auxiliar que levasse a pauta ao presidente Jair Bolsonaro, além de um ofício pedindo explicações sobre a segurança do presídio federal que fica em Brasília.

Ao final da conversa, Torres pediu a Bolsonaro que recebesse os secretários estaduais de Segurança Pública, que faziam uma reunião de rotina em Brasília naquele dia, e avisou que o tema da conversa seria a recriação do Ministério da Segurança. Uma entrevista publicada em dezembro, em que o governador acusava o ministro Sérgio Moro de se

“apropriar” dos resultados positivos de redução da criminalidade, chegou a ser mostrada para Bolsonaro, segundo o próprio Ibaneis, que é aliado do presidente.

Torres, por sua vez, já foi cotado para assumir o comando da PF e é próximo de Flávio e Eduardo Bolsonaro.

—Moro colheu os frutos do último ano de governo de Michel Temer, quando tinha o Ministério da Segurança Pública. Não tenho nada contra o ministro Moro, ele fez um belíssimo trabalho no combate à corrupção, mas acho que está se apropriando de uma pauta que não é dele —criticou Ibaneis Rocha.

 

CLIMA TENSO

Bolsonaro não só abriu a agenda horas depois do pedido de Torres para atender os secretários de Segurança Pública, como transmitiu ao vivo pela internet o encontro, realizado na tarde de quarta feira. Dessa forma, a ideia de recriação da pasta da Segurança, até então gestada nos bastidores do Planalto conforme revelou o GLOBO em dezembro, ganhou repercussão. Ao longo do dia, no entanto, Moro disse a interlocutores que sua permanência no governo corre risco se o plano se concretizar.

Ontem à noite, em meio aos ânimos acirrados na cúpula do governo, Bolsonaro compartilhou um texto de Augusto Heleno em que o titular do GSI dizia: “Em nenhum momento, o presidente disse apoiar tal iniciativa. Apenas, educadamente, disse que enviaria a seus ministros, para estudo, entre eles o ministro Sergio Moro”.

A mensagem destaca ainda que cabe a Bolsonaro, como comandante, “dar a palavra final, mesmo que isso contrarie alguns dos seus assessores ou eleitores”. E rechaça os “críticos de plantão” que, “hoje, mentem ser de interesse do presidente recriar a Segurança, acusaram o mesmo de enfraquecer Moro no caso Coaf”, referência à mudança do Conselho de Controle de Atividades Financeiras da Justiça para o Banco Central.