Título: Racismo punido com prisão
Autor:
Fonte: Jornal do Brasil, 15/04/2005, Esporte, p. A28
Desábato, do Quilmes (ARG), é detido em campo por xingar Grafite, do São Paulo
SÃO PAULO - O racismo no futebol, que se espalhou pela Europa, teve na quarta-feira sua primeira conseqüência drástica. Se ultimamente o preconceito vinha sendo punido na esfera esportiva, com multas e suspensões, a polícia de São Paulo manteve o zagueiro Desábato, do Quilmes (ARG), detido por mais de 24 horas por ter chamado o são-paulino Grafite de negro e macaco. A ofensa ocorreu no jogo em que o time brasileiro venceu o argentino por 3 a 1, pela Libertadores, no Morumbi. Desábato foi indiciado e teve fiança estipulada em R$ 10 mil, valor máximo previsto em lei para casos de injúria qualificada com agravante de racismo. Mas os advogados do argentino dispunham de apenas R$ 6,7 mil e não conseguiram o dinheiro que faltava até às 19h de ontem, horário limite estipulado pelo Tribunal de Justiça de São Paulo para o pagamento da fiança. Os advogados ainda tentaram pagar a quantia na delegacia, mas o apelo foi em vão e o jogador só deve ser liberado hoje.
No campo esportivo, o presidente da Confederação Sul-Americana de Futebol (Conmebol), Nicolas Leóz, adiantou que Desábato será suspenso da Libertadores, independentemente da súmula da partida. O jogador foi suspenso preventivamente pela Conmebol até o julgamento do caso.
O estopim ocorreu no fim do primeiro tempo da partida. Grafite entrou duro em uma dividida com o meia Arano, que foi tomar satisfação. Desábato se aproximou e ofendeu o brasileiro, que revidou empurrando o rosto do argentino. O árbitro expulsou Grafite e Arano, deixando Desábato em campo.
Grafite, que já havia reclamado de racismo no jogo anterior contra o Quilmes, em Buenos Aires, no mês passado, deixou o gramado afirmando que perdeu a cabeça por causa do preconceito. E a punição veio logo após o apito final: o delegado Osvaldo Gonçalves entrou no gramado e deu voz de prisão a Desábato, com base em queixa de Grafite.
O caso se desenrolou por toda a madrugada de ontem. Grafite e Desábato prestaram depoimento até às 5h30min na 34ª DP. O elenco do Quilmes, que tinha vôo de volta para a Argentina às 8h, ficou no Brasil para acompanhar o imbróglio. Depois do interrogatório, em que alegou que na Argentina sua atitude não seria passível de reclusão, Desábato permaneceu em uma sala da 34ªDP, já que no local não há carceragem. Segundo policiais, o jogador não dormiu no período. Na tarde de ontem , Desábato foi transferido para a 13ªDP, onde permaneceu em cela individual.
- Quando aconteceu na Argentina, encarei como uma conseqüência do calor da partida. Eles enviaram uma carta de desculpas, mas o fato se repetiu. Como já vem acontecendo coisas do tipo há muito tempo na Europa, resolvi prestar queixa. Agi de acordo com a minha consciência - disse Grafite.
O Governo Federal repudiou a atitude de Desábato em carta assinada por Agnelo Queiroz (ministro do Esporte) e Matilde Ribeiro (secretária Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial da Presidência da República).
O caso teve repercussão internacional e na Argentina foi tratado com ressalvas. O técnico do Quilmes, Gustavo Alfaro, criticou o fato de o delegado Osvaldo Gonçalves ter detido Desábato em campo, chegando a dizer que tudo não passava de uma farsa.
O episódio de quarta-feira se soma aos seguidos casos no futebol europeu, alguns envolvendo brasileiros como Ronaldo, Roberto Carlos, Juan e Roque Júnior. Ano passado, a Fifa iniciou uma cruzada contra o racismo e jogadores aderiram ao movimento, passando a usar uma pulseira preta e branca, simbolizando união das raças.
No Brasil, Wellington Paulo, do América-MG, foi suspenso um mês por chamar André Luiz, do Atlético-MG, de macaco.