O Globo, n.31.581, 24/01/2020. Mundo. p.23
Convite de honra a Bolsonaro é criticado na Índia
Marcelo Ninio
Karan Thapar é um dos jornalistas mais famosos da TV indiana, conhecido pelo estilo incisivo. Em sua performance mais célebre, Naren dr aM odib ateu em retirada no meio da entrevista ao ser lembrado por Thapar de sua imagem de “assassino em massa” pelo massacre de milhares de muçulmanos em Gujarat, estado na época governado pelo atual primeiro-ministro. Quando Jair Bolsonaro foi anunciado como o convidado principal deste ano do Dia da República, data nacional das mais importantes do país, Thapar foi um dos maiores críticos, afirmando que a reputação de Bolso na roco mo extremistae homofóbico está longe dos ideais de igualdade e liberdade da Constituição indiana.
—Se Nelson Mandela foi a melhores colha,Bol sonar oéapior—disseTh apara o GLOBO.
Bolsonaro, que tem chegada prevista a Nova Délhi hoje para uma visita de Estado de três dias, será o terceiro presidente brasileiro a participar como o convidado de honra do Dia da República, que celebrará no domingo com uma grande parada militara entrada em vigor da Constituição da Índia como país independente, em 1950. Antes dele, Fernando Henrique Cardoso (1996) e Luiz Inácio Lula da Silva (2004) já estiveram na cerimônia. Ser o convidado principal desta dataéa maior honraria concedida pela Índia a um líder estrangeiro.
Para muitos comentaristas da imprensa indiana, o convite a Bolsonaro reflete uma certa sintonia com Modi, também conhecido pelas políticas pró-mercado epeloultr anacionalismo. Nocas ode Modi, reeleito no ano passado com uma vitória esmagadora, seus críticos o acusam de rasgar o frágil tecido social do país com políticas que discriminam a minoria muçulmana, que compõe 15% da população. Essa impressão foi reforçada por uma emenda legislativa aprovada em dezembro, que facilita a concessão de cidadania a refugiados de Paquistão, Bangladesh e Afeganistão, mas não aos que são muçulmanos. Desde então, a medida tem gerado protestos quase diários,e uma avalanche de críticas contra Modi.
PARCERIA ESTRATÉGICA
Um país regi dopo ruma Constituição laica, coma diversidade cultural e o legado pacifista de Mahatma Gandhi deveria ser um exemplo de resistência democrática“num mundo cada vez mais definido pela ascensão de populistas ultranacionalistas como Donald Trump, Rodrigo Duterte e Jair Bolsonaro”, afirmou o escritor
Kanak Mani Dixit em artigo no The Hindu, um dos principais jornais em inglês da Índia. Para ele, ocorre o oposto.
— A Índia de Modi está perdendo o fôlego democrático, com suas cortes enfraquecidas, a politização do setor militar e uma polícia e agências de investigação a serviço do poder.
Em meio às críticas, houve também reações positivas à escolha de Bolsonaro como convidado de honra do Dia da República. Rekha Dixit, que também escreve sobre temas ligados à mulher no principal semanário em inglês do país, The Week, destoou das críticas de grupos feministas e louvou o pragmatismo de Modi. Para ela, o convite ao presidente brasileiro foi “uma jogada astuta” do premier indiano, já que, após ter estendido o alcance da diplomacia indiana ao Oriente Médio eà África nosúl timos anos, foi “uma escolha óbvia” começar o seu segundo mandato se aproximando do maior país da América Latina. Um dos acordos que devem ser assinados durante a visita deBol sonar oprevêre vitalizara parceria estratégica estabelecida no governo Lula, em 2006.
Outros acordos previstos, considerados pelos negociadores como os mais importantes da visita do ponto de vista econômico, buscarão facilitar o comércio bilateral e os investimentos indianos no Brasil. Negócios à parte, Sankalp Gurjar, especialista em relações internacionais da South Asian University, em Nova Délhi, acredita que “o convite a um líder como Jair Bolsonaro, que cultiva com orgulho opiniões controversas sobre mulheres, minorias, mudanças climáticas e democracia”, contribui para “corroer ainda mais a credibilidade da Índia como uma democracia liberal”. Pior, os arranhões na imagem internacional da Índia ocorrem num momento de desaceleração, com previsões de que a economia cresça 5% neste ano, o menor patamar em mais de dez anos.
TENSÃO NO AÇÚCAR
Ao lado da tentativa de energizar os negócios entre os dois países, tensões bilaterais econômicas também estarão expostas durante a visita de Bolsonaro. A Federação de Plantadores de Cana da Índia anunciou uma semana de protestos contra o brasileiro, em repúdio aos questionamentos do Brasil na Organização Mundial do Comércio (O MC) aos subsídios concedidos pelo governo indiano ao setor do açúcar. À imprensa indiana, os organizadores prometeram que também pretendem destacar o que chamam de “políticas fascistas” do presidente brasileiro.