O Globo, n. 31491, 26/10/2019. País, p. 8

Governo se prepara para depoimentos de ex-aliados em CPI

Amanda Almeida
Natália Portinari


A CPI das Fake News começa na próxima semana uma série de depoimentos que podem expor ainda mais as desavenças no PSL e trazer dor de cabeça ao governo Bolsonaro. Em minoria na comissão, os governistas, no entanto, buscam sair do foco, tentando arrastar para o centro das investigações também o PT. Com 152 requerimentos aprovados, a comissão marcou para a próxima quarta-feira o depoimento do deputado Alexandre Frota (PSDBSP), agora desafeto do governo Bolsonaro.

Ele será o primeiro convidado a ser ouvido com potencial de causar problemas ao Planalto. Com um escopo amplo para atuar, a CPI já aprovou uma extensa e diversa lista de pessoas chamadas a falar. Entre elas estão celebridades, empresários e blogueiros de direita e esquerda. Até a atriz Giovanna Ewbank e o cantor Caetano Veloso integram a lista de convocados e convidados. Os partidos de oposição miram a investigação de um possível uso de notícias falsas para influenciar as eleições de 2018, com mais de 39 convocações de representantes de empresas de telecomunicações e de impulsionamento de mensagens. Os governistas emplacaram por enquanto apenas a convocação de Gleisi Hoffmann, presidente do PT, para depor sobre como as fake news podem ter auxiliado também a campanha de Fernando Haddad. Há requerimentos pendentes de análise para ouvir, por exemplo, a ex-presidente Dilma Rousseff e o ex-ministro Antonio Palocci. A oposição aposta no fogo amigo de ex-aliados do presidente, incluindo desafetos recentes dentro do PSL. Ao GLOBO, Frota antecipou parte do que pretende falar à CPI. Segundo ele, pessoas que trabalharam na “guerrilha virtual” de Bolsonaro hoje circulam credenciadas por Brasília:

— Foi uma campanha muito marcada pelas fake news, pela tentativa de assassinato dos nomes das pessoas. O próprio Bolsonaro trouxe para o Planalto nomes que nós, que trabalhávamos lá, já sabíamos, o Tercio, o Mateus.

Tropa de defesa

Frota se refere a Tercio Arnaud Tomaz e Mateus Matos Diniz, assessores lotados na Presidência da República. Os dois fariam parte de um gabinete montado para impulsionar mensagens pró-Bolsonaro. Junto do blogueiro Allan dos Santos, eles foram convocados, na última quarta-feira, a depor na CPI das Fake News. Sob comando de Eduardo Bolsonaro, o PSL agiu para tentar evitar a votação, mas a oposição venceu.

O agora tucano Frota diz ainda que, nas eleições, a casa do empresário Paulo Marinho, suplente do senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ), se tornou o “quartel-general” de Bolsonaro, inclusive para ações nas redes sociais. Uma “rede” trabalhava para o então candidato, diz Frota:

— Várias vezes, Bolsonaro pegou o telefone dele e me falou: “Se quiser divulgar alguma coisa, basta uma palavra e uma mensagem minha”. Ele tinha três telefones e não parava. Também convidado pela CPI das Fake News, o ex-líder do PSL na Câmara Delegado Waldir (GO), rompido com o governo recentemente, diz que vai depor “com certeza”. — Com relação às mídias, a organização criminosa montada para ataques virtuais, da qual eu fui vítima, tenho muito a falar — promete Waldir, ressaltando ter informações sobre fake news atuais distribuídas pelo grupo ligado a Bolsonaro, mas não sobre a campanha. — Uma das fake é que sou cheirador de cocaína. Tem um vídeo que estou coçando o nariz, porque tenho sinusite e rinite.

Depois de assumir, na última semana, a liderança da bancada do PSL, Eduardo Bolsonaro escalou como representantes do partido na CPI dois deputados leais à família do presidente da República, Caroline de Toni (PSL-SC) e Filipe Barros (PSL-PR), além dele próprio como suplente. Filipe Barros diz que ameaças a ex-aliados de Bolsonaro estão fora do escopo da CPI e que o argumento da existência de uma milícia digital ligada ao governo não se sustenta:

— É desculpa esfarrapada de quem faz cagada e depois não aguenta pressão do eleitor nas redes. Vamos traçar uma estratégia para comprovar que essas pessoas, na verdade, querem se esconder por trás desse discurso.