Título: País deixa de combater crimes por deficiência tecnológica
Autor: Hugo Marques
Fonte: Jornal do Brasil, 18/04/2005, País, p. A2
Especialistas calculam que nem 5% das drogas que circulam no Brasil são apreendidas
Estimativas dos maiores especialistas da Polícia Federal revelam que hoje não são apreendidas nem 5% das drogas que circulam pelo território nacional devido à falta de tecnologia adequada. Quando o assunto é escuta telefônica, por exemplo, a PF fica de mãos atadas para identificar grandes organizações criminosas e reduzir de forma substancial o tráfico de drogas e a lavagem de dinheiro. Ainda não é usado no país um sistema para monitorar telefonemas via satélite.
Os policiais que rastreiam as ligações dizem ser impossível monitorar ligações pelo sistema global da empresa européia Inmarsat, que cobre todo o globo terrestre. Os traficantes, lavadores de dinheiro e bandidos de colarinho branco sabem disso e já não fazem mais ligações de um aparelho via satélite para um telefone comum, com a intenção de não serem monitorados do outro lado da linha. O último que fez isso foi o traficante Luiz Fernando da Costa, o Fernandinho Beira-Mar.
Até meados do ano passado, a PF utilizava equipamento importado como teste. O país gastou bilhões de reais para implantar o Sistema de Vigilância da Amazônia (Sivam), mas não comprou o equipamento, que custava US$ 12 milhões, (cerca de R$ 30 milhões). O equipamento já caiu para cerca de US$ 10 milhões (R$ 25 milhões).
Foi durante o teste com o equipamento internacional que a PF pegou grandes traficantes de drogas. Um deles é o goiano Leonardo Dias Mendonça, preso na Operação Diamante. Um dos especialistas da PF diz que Leonardo foi capturado graças às escutas do telefone via satélite.
- Leonardo gastava por mês cerca de US$ 15 mil só com a conta do satelital, negociando drogas - lembra o especialista.
O orçamento da área de repressão a entorpecentes da PF é pífio. Em 2003, foram R$ 9 milhões, dos quais 66% foram repasse do governo dos Estados Unidos. Para este ano, a parcela americana para repressão às drogas no Brasil deve totalizar 75% do bolo da PF.
A compra de um aparelho sofisticado de escuta via satélite beneficiaria todas as polícias do país, dizem especialistas da PF, permitindo que sejam feitas simultaneamente mais de 500 monitoramentos de telefones satelitais. Com uma vantagem em relação à escuta de telefone celular comum: o novo sistema permite localizar a pessoa em qualquer parte do globo terrestre.
O confisco de bens dos traficantes poderia ser o suficiente para comprar dois equipamentos destes por ano, caso a polícia fosse autorizada a vender o que fosse apreendido. No Judiciário, contudo, as decisões sobre o destino dos bens do tráfico são pulverizadas e demoram muito.
- Só os bens do Leonardo Dias Mendonça que foram apreendidos pagariam este equipamento - lamenta um policial federal.
O traficante a que o especialista se refere tinha milhares de cabeças de bois, aviões, fazendas e outros bens. A PF calcula que, só em 2003, as atividades de repressão ao narcotráfico, incluindo a apreensão de bens, atingiram R$ 59 milhões de ''retorno'' para os cofres públicos.
Enquanto o país não se arma com tecnologia contra os grandes bandidos, o narcotráfico e a lavagem de dinheiro trafegam livres no espaço, o que alguns policiais chamam de grande ''buraco da camada de ozônio''. Não há nem estimativas precisas sobre a entrada e saída de drogas do Brasil.
O Paraguai tem 5,5 mil hectares plantados com maconha. São 33 mil toneladas de maconha produzidas por ano, cerca de 60% circulando pelo Brasil. As estatísticas mais otimistas mostram que o país pode apreender este ano 200 toneladas de maconha, 1% da produção paraguaia.
E o Brasil tem também a sua produção de 720 toneladas anuais de maconha, que seria três vezes superior ao total recolhido anualmente, caso toda a maconha paraguaia fosse apreendida na fronteira. A cocaína é também uma grande incógnita. No Brasil, são apreendidas 10 toneladas por ano, mas estima-se que circule muito além disso pelo país.