O Globo, n. 31497, 01/11/2019. Opinião, p. 2

O merecido repúdio a Eduardo Bolsonaro


O deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) não aprendeu a lição. Antes da posse do pai como presidente da República, o filho 03, em evento aberto ao público, deu sua fórmula para o fechamento do Supremo Tribunal Federal: “um soldado e um cabo”. O pai tratou a gafe, digamos, como um escorregão juvenil.

Já a ameaça inaceitável que o deputado, filho do presidente, fez da volta do AI-5, em entrevista ao programa “Brasil Urgente”, da jornalista Leda Nagle, não deve ser encarada como mais um deslize imaturo.

O deputado acenou com a impensável reedição do AI-5 como reação a movimentos de esquerda que radicalizariam na esteira da volta de Cristina Kirchner ao poder na Argentina, como vice de Alberto Fernández, e no vácuo das manifestações violentas no Chile.

Na visão persecutória de Eduardo Bolsonaro, o Brasil retornaria ao final dos anos 60, “quando sequestravam aeronaves, quando se executavam e sequestravam grandes autoridades, cônsules, embaixadores, (executavam-se) policiais, militares”. Um delírio, diante da solidez das instituições democráticas brasileiras.

Falta, no mínimo, um conhecimento básico de História, para este Bolsonaro entender a diferença, para melhor, entre o Brasil de dezembro de 1968, quando o AI-5 foi editado pela ditadura militar, e o de hoje, da democracia. O risco é a overdose de ideologia afetar a capacidade de compreensão.

Devido à reação que provocou ao se referir de forma mais do que inadequada ao STF, Eduardo já deveria saber que o respeito a essas instituições precisa ser absoluto, portanto, não podem ser afrontadas, principalmente por homens públicos. O próprio clamor contra o que disse sobre o STF deveria alertá-lo que entrara em terreno minado.

A liberdade de expressão é garantida pela Constituição, e os parlamentares têm imunidades. Mas não estão livres da execração pública, nem de enfrentar desdobramentos regimentais de suas atitudes.

Não demorou para a oposição anunciar que encaminhará à Comissão de Ética pedido de cassação do deputado, por quebrar o juramento que fez de defender a Constituição. PSOL, PT, PCdoB e PSB também entrarão no STF com representação criminal.

Acertadamente, os presidentes da Câmara e do Senado, Rodrigo Maia e Davi Alcolumbre, emitiram notas de repúdio às declarações do 03. O pai, recém-desembarcado do exterior, não foi tão magnânimo como no caso do STF, ficou no comentário de que quem fala na volta do AI-5 “está sonhando”. Depois, o deputado se retratou com um pedido de “desculpas”. Saiu-se com a velha explicação de ter sido “mal interpretado”.

Deve fazer bem mais do que isso: precisa ter noção da função que exerce e do peso das relações de parentesco. Já precisaria perceber o tamanho da sua responsabilidade.