O Globo, n.31.580, 23/01/2020. País. p.08

PGR avaliará abuso de autoridade contra Glenn
Aguirre Talento

 

A Associação Brasileira de Juristas pela Democracia (ABJD) protocolou ontem uma representação na Procuradoria-Geral da República (PGR) acusando de abuso de autoridade o procurador federal Wellington Divino Marques de Oliveira, autor da denúncia contra o jornalista Glenn Greenwald na Operação Spoofing. O procurador geral da República Augusto Aras é quem decidirá o encaminhamento do tema.

Na terça, Marques apresentou denúncia à Justiça Federal acusando Glenn de ter sido partícipe nos crimes de invasão de dispositivo de informática alheio, interceptação ilegal de comunicações telemáticas e associação criminosa, devido à sua atuação na publicação de mensagens de integrantes da Lava-Jato obtidas por hackers.

Na representação, a ABJD também cita a denúncia por calúnia movida pelo procurador contra o presidente da Ordem

dos Advogados do Brasil (OAB), Felipe Santa Cruz, por ele ter feito críticas públicas ao ministro da Justiça Sergio Moro. O documento apresentado à PGR afirma que Marques tem realizado condutas “reiteradas” que extrapolam suas funções no cargo.

“No caso que ora se verifica, as denúncias apresentadas pelo procurador descrevem fatos que não podem ser considerados crimes. Tenta criminalizar a livre manifestação do pensamento e a divulgação de informações, atingindo em cheio o direito fundamental à liberdade de expressão, liberdade de informação e liberdade de imprensa”, afirma a representação.

A lei de abuso de autoridade, aprovada pelo Congresso em agosto e sancionada pelo presidente Jair Bolsonaro em setembro, passou a vigorar neste ano. Em sua representação, a ABJD cita o artigo 30 da nova lei, que proíbe “dar início ou proceder à persecução penal, civil ou administrativa sem justa causa fundamentada ou contra quem sabe inocente”. A associação pediu à PGR que determine a abertura de investigação no Ministério Público sobre a conduta de Marques.

Entidade sem fins lucrativos, a ABJD tem defendido publicamente pautas alinhadas a partidos de esquerda, como uma defesa da soltura do ex-presidente Lula.

JUIZ AVALIA DENÚNCIA

O juiz Ricardo Leite, da 10ª Vara Federal de Brasília, ainda não decidiu sobre o recebimento ou não da denúncia protocolada ontem pelo Ministério Público Federal (MPF), que acusou Glenn e outras seis pessoas de participação em crimes como invasão de dispositivo e interceptação de conversas telefônicas. Segundo fontes de seu gabinete, não há prazo para que a decisão saia e o magistrado avisou que vai analisar com cautela os elementos dos autos. A expectativa é que uma decisão só ocorra a partir da próxima semana.


No exterior, revista vê semelhanças com o caso Assange


 

A denúncia do Ministério Público Federal (MPF)contra o jornalista americano Glenn Greenwald no vazamento de mensagens de autoridades brasileiras gerou comparações com o caso do australiano Julian Assange, fundador do WikiLeaks, site que publicou documentos vazados do governo dos EUA.

O editoral da revista americana “Columbia Journalism Review”, produção acadêmica sobre jornalismo da Universidade de Columbia, classificou o ato do MPF de apontar Glenn como participante ativo no crime de invasão do Telegram de autoridades como um “ataque hediondo à liberdade de proteção da imprensa, algo que jornalistas e qualquer um a favor da liberdade de expressão deveriam batalhar contra”.

A revista diz que o caso é quase uma cópia do que o Departamento de Justiça americano alegou na ação contra Assange no ano passado —a denúncia contra o ativista incluía a acusação de espionagem. Assim como no Brasil, os promotores dos

EUA defenderam que o australiano não apenas recebeu documentos diplomáticos vazados por um ex funcionário do Exército, mas que ele atuou ativamente na divulgação das informações de forma ilegal. Por esse motivo, Assange não poderia ter a proteção da 1ª Emenda da Constituição americana, que trata da liberdade de imprensa e de expressão.

O ativista foi preso em abril passado, em Londres, após o Equador cancelar o asilo que lhe dava na embaixada, na Inglaterra, desde 2012. O editorial da revista americana afirmou ainda que, a partir dos julgamentos sobre o caso de Assange, houve um ataque ao jornalismo comparável ao que ocorre no Brasil agora, com a denúncia contra Glenn.

O jornal “New York Times” também dedicou um de seus editoriais na edição impressa ao assunto. O diário definiu a acusação contra Glenn como um caso em que “se atira no mensageiro e se ignora a mensagem”. O jornal diz ainda que ataques à imprensa livre se tornaram “um alicerce para a nova geração de líderes intolerantes no Brasil, assim como nos EUA e em outras partes do mundo”.

“O poder do Estado é usado não contra as autoridades acusadas, mas contra o repórter”, completou o editorial.