O Globo, n. 31491, 26/10/2019. Mundo, p. 27

Bolsonaro quer atrair investimentos de árabes

Maiá Menezes


O presidente Jair Bolsonaro chega hoje à noite a Abu Dhabi, nos Emirados Árabes, na primeira escala de sua peregrinação pelo Oriente Médio — que continua no domingo em Doha, no Qatar, e na segunda em Riad, na Arábia Saudita —, com o desafio de desfazer mal-entendidos e incrementar uma carteira de investimentos que podem ser relevantes para a economia brasileira.

A decisão do governo de abrir um escritório comercial em Jerusalém, em vez de transferir a embaixada do Brasil para a cidade, pode atenuar o desgaste político que o anúncio feito ainda na campanha de Bolsonaro à Presidência trouxe na relação com os países árabes. No início do mês, o Itamaraty informou que não haverá nova mudança nessa questão. — Há uma questão grave que foi esse possível movimento da embaixada em Israel. Isso criou um certo afastamento dos países árabes, que são importantíssimos para nosso agronegócio. É uma agenda prática de extrema importância para o Brasil —afirma Esther Solano, professora de Relações Internacionais da USP.

Exportações agrícolas

De acordo com o Itamaraty, o Brasil tem hoje uma carteira de 18 projetos do Programa de Parcerias de Investimentos (PPI) e procura investidores externos para bancar parte do custo de R$ 1,3 trilhão. O fundo soberano dos Emirados supera US$ 1 trilhão.

Os Emirados hoje são o segundo destino das exportações brasileiras no mundo árabe, principalmente de carne. Havia um temor de que a aproximação do governo Bolsonaro com Israel gerasse retaliações no setor agropecuário, que ainda não se concretizaram. A ministra, da Agricultura, Tereza Cristina, faz parte da comitiva e participará de encontros bilaterais. Além da intenção de atrair investimentos e aumentar as exportações agrícolas, o Brasil tem interesses na área de defesa tanto nos Emirados Árabes quanto na Arábia Saudita, mas estes são mantidos em sigilo. Outro desafio para a diplomacia brasileira é deixar clara sua posição sobre o Irã, já que tanto os emiradenses quanto os sauditas trabalharam fortemente para que os EUA deixassem o acordo nuclear com o Irã assinado por Barack Obama em 2015. O acordo foi rompido pelo presidente americano Donald Trump em 2018, e as monarquias árabes cobram do Brasil uma posição contra o pacto, que à época foi aprovado pelo Conselho de Segurança da ONU.

As três monarquias sunitas que receberão a visita de Bol sonar o estão entre os principais aliados dos EU Ano Oriente Médio—Washington tem bases nos Emirados e no Qatar, e soldados em solo saudita. No entanto, interesses locais, incluindo em relação ao Irã, provocaram um conflito econômico e diplomático entre emiradenses e sauditas, de um lado, e catarianos, do outro. Em meados de 2017, Abu Dhabi e Riad romperam relações com Doha, acusando o vizinho de apoio a Teerã eà Irmandade Muçulmana. Além disso, Abu Dhabi e Riad estão envolvidos diretamente no conflito do Iêmen, a maior crise humanitária da atualidade.

Jornalista esquartejado

O príncipe herdeiro da Arábia Saudita e governante de fato do país, Mohammad bin Salman, foi acusado, inclusive por relatores indicados pela ONU, de envolvimento no assassinato do jornalista dissidente Jamal Khashoggi, esquartejado quando buscava documentos na embaixada saudita em Istambul, há um ano. O caso bloqueou a intenção de Bin Salman de se apresentar ao mundo como um reformador, e países como a Alemanha cancelaram a venda de armas à monarquia. Bolsonaro, no entanto, já se reuniu com Bin Salman durante a cúpula do G20 em Osaka, no Japão, em junho, e não se espera que o brasileiro trate do caso na visita. Para Daniel Damásio Borges, professor de direito internacional da Unesp, é preciso verificar se Bolsonaro manifestará apoio a medidas repressoras das três monarquias, no que diz respeito a direitos humanos e direitos das mulheres. Em julho, o Brasil votou com ditaduras árabes, entre elas as do Golfo Pérsico, em resoluções do Conselho de Direitos Humanos da ONU sobre direitos sexuais e femininos. — É possível manter boas relações com esses Estados sem apoiar medidas retrógradas. É uma visita positiva, mas é preciso atenção, seja pela natureza autoritária desses países, seja pela posição que o presidente Bolsonaro assumiu nos últimos anos — diz Damásio.