Título: Caso Calazans: a imagem que fica da Assembléia do Rio
Autor: Paulo Celso Pereira
Fonte: Jornal do Brasil, 18/04/2005, País, p. A4

Perdão a acusado de falta de decoro parlamentar abala credibilidade dos políticos

Na semana passada, a imagem dos políticos brasileiros ganhou um arranhão a mais, entre tantos outros, quando o plenário da Assembléia Legislativa do Rio rejeitou, secretamente, por 37 votos a 25 o pedido de cassação do mandato do deputado Alessandro Calazans (sem partido), acusado de envolvimento no pedido de propina para livrar o empresário de jogos Carlos Augusto Ramos, o Carlinhos Cachoeira, de indiciamento na CPI da Loterj/RioPrevidência, da qual Calazans era presidente. Foi mais uma denúncia que trouxe a reboque a impunidade.

Para o cientista político da Universidade do Estado do Rio de Janeiro Geraldo Tadeu, que desenvolveu um longo estudo sobre a credibilidade da população em seus representantes no Legislativo, as denúncias contra políticos, escolhidos pelo povo como seus legítimos representantes, ajudam a aniquilar a confiança dos brasileiros:

- Essas denúncias de corrupção acabam aprofundando o clima de desconfiança geral. Já há uma imagem muito ruim de que deputados uma vez eleitos cuidam de seus interesses, e essas denúncias acabam piorando essa impressão. Essa denúncia é mais um tijolo nesse muro entre a representação e a população - explica.

No caso específico da Assembléia Legislativa, a situação é ainda mais grave. Só nessa legislatura, que começou em fevereiro de 2003, surgiram várias acusações envolvendo deputados estaduais. Vão desde prevaricação até assassinato, passando por escândalos de corrupção, pedidos de propina, participação em máfia e esquemas de fraude.

Na sexta-feira, o presidente da Casa, Jorge Picciani, - que recentemente ficou em evidência por ter sido sócio do auditor fiscal Arnaldo Carvalho da Costa, preso há quase dois meses como um dos responsáveis pela fraude de R$ 3 bilhões do INSS no Rio - tentou tirar da Casa a responsabilidade pela absolvição de Alessandro Calazans:

- A sociedade tem de saber que a Assembléia do Rio pode até errar e, eventualmente, ser corporativa, mas a Casa dá exemplo no apreço pelo dinheiro público - disse, referindo-se ao cancelamento do contrato de R$ 170 milhões que a Loterj tinha com Carlinhos Cachoeira, que segundo ele, aconteceu em função da CPI da Loterj.

E Picciani completou:

- Devemos pagar pelos nossos erros individualmente, não a instituição como um todo. Estou tranqüilo, pois sei que acertei durante o Caso Calazans.

Geraldo Tadeu reforça a tese do corporativismo:

- Foi uma reação defensiva para não abrir precedente. Para que outros deputados estaduais não venham ter seus mandatos cassados.

Para o deputado Alessandro Molon (PT) - único parlamentar a votar contra a reeleição de Picciani para presidente da Alerj - atos como o perdão concedido pelo plenário a Calazans, após o relatório da Comissão de Constituição e Justiça da Casa ter apresentado nove motivos de quebra de decoro, criam um problema que remete à iniciação política da população.

- Um dos efeitos perversos dessa perda de credibilidade é que cada vez menos pessoas de bem aceitam enfrentar o desafio de entrar para a política para tentar mudar o país. Em vez de provocar na sociedade uma reação saudável de querer retomar essa instituição para si, isso afasta a população, que vai desistindo da política e deixando de acreditar no Poder Legislativo - lamenta.

Relator do caso Calazans, Noel de Carvalho (PMDB) vê na descrença da população um perigoso pretexto para a desmoralização das instituições democráticas. Segundo ele, as sucessivas denúncias contra o Legislativo e o Judiciário podem gerar até conspirações:

- Foram 37 deputados que cometeram um erro grave. Isso atinge a instituição. Vivi 1964, e os golpes de direita começam desmoralizando as instituições democráticas. Se as assembléias não se cuidarem, correm perigo - disse Noel.

A ausência de debates ideológicos e a transformação do Legislativo em mero campo de disputa por interesses são os principais motivadores dessa desilusão:

- Há uma falta de legitimidade da classe política porque a população não se sente representada. O comportamento dos políticos, muitas vezes, não corresponde às expectativas da população. Pois, uma vez eleitos, eles não cuidam delas - explica Geraldo Tadeu.