O Globo, n. 31497, 01/11/2019. Mundo, p. 17

Vizinhos incomodados
Janaína Figueiredo


Declarações do presidente Jair Bolsonaro sobre as recentes eleições na Argentina e no Uruguai — apoiando um dos candidatos na disputa, no caso uruguaio, ou hostilizando o vitorioso, no argentino — levaram a reações negativas, nos dois países, dos lados favorecidos pelo mandatário brasileiro.

Talvez como parte da tentativa de colaborar com uma transição ordenada e civilizada, o governo do presidente argentino, Mauricio Macri, disse ontem, por meio do chanceler Jorge Faurie, que as declarações de Bolsonaro sobre o presidente eleito da Argentina, Alberto Fernández, foram “inapropriadas”. Faurie se referiu, também, a uma publicação negativa do deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL/SP) nas redes sociais sobre Estanislao Fernández, filho do futuro chefe de Estado argentino.

— Algumas expressões são inapropriadas, comentei isso numa nota enviada, a título pessoal, ao embaixador do Brasil (Sergio Danese) — afirmou o chanceler.

Cúpula do Mercosul

A Casa Rosada não repudiará oficialmente a posição de Bolsonaro e seu filho, mas fez questão de deixar clara sua posição usando Faurie como interlocutor. O chanceler assegurou que, na carta enviada ao embaixador Danese, apontou a “conveniência de que certas frases sejam usadas com maior prudência”.

— É muito importante que levemos em consideração o significado e a transcendência de nossa relação com o Brasil, manter sempre os canais de diálogo abertos... O presidente e seu governo, nós estamos à total disposição para gerar os canais de diálogo que permitam melhorar a relação — enfatizou o ministro do governo Macri.

Segundo fontes da Casa Rosada, existe “a possibilidade” de que Macri viaje acompanhado de Fernández à próxima cúpula do Mercosul, que será realizada no Brasil, provavelmente antes da posse do novo presidente argentino, no dia 10 de dezembro.

— Possibilidade, sempre — respondeu a fonte.

Após a confirmação da vitória de Fernández, o presidente brasileiro afirmou que “os argentinos escolheram mal” e, irritado com a defesa pública da libertação do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva feita pelo presidente eleito, negou-se a parabenizá-lo.

Paralelamente, o deputado Eduardo Bolsonaro retuitou em sua conta no Twitter um post que mostra uma foto do filho de Fernández, que trabalha como drag queen, vestido como o personagem da série Pokémon, e ao lado uma foto do deputado segurando uma arma. Eduardo Bolsonaro acrescentou a legenda “OBS: isso não é meme”. A resposta de Estanislao foi um post no qual afirma que “o amor sempre vence o ódio”.

A equipe de transição de Fernández recebeu a orientação de não entrar nas provocações do governo Bolsonaro.

Por sua vez, o candidato à Presidência do Uruguai Luis Lacalle Pou rejeitou o apoio expresso por Bolsonaro, que disse em entrevista nesta semana ao Estado de S. Paulo que ele é seu preferido no segundo turno, em 24 de novembro. Para Lacalle Pou, do Partido Nacional, de centro-direita, governos de outros países não devem interferir na eleição local.

‘Mal interpretadas’

A votação será definida entre Lacalle Pou e Daniel Martínez, da governista Frente Ampla, de esquerda, partido que está no poder no país desde 2005. Em entrevista na noite de quarta-feira, Lacalle Pou disse que “não é bom comentar sobre eleições em outros países”.

— Se eu fosse o presidente e houvesse um processo eleitoral no Brasil, por mais que eu gostasse mais de um do que de outro, esperaria os resultados, porque tenho que ter uma boa relação com o vencedor — respondeu o candidato, quando questionado sobre o apoio do presidente brasileiro. — Por sorte, no Uruguai os brasileiros não decidem.

Em entrevista ao Estadão em visita ao Oriente Médio, Bolsonaro disse que o Uruguai “vem da política de Pepe Mujica” (ex-presidente que se elegeu senador) e há, atualmente, “uma oposição mais alinhada com nosso pensamento liberal e econômico”.

— Esperamos que se produza a eleição de alguém mais próximo à nossa equipe. Aí teríamos um Uruguai com mais afinidade a nós — disse Bolsonaro na entrevista. — Não tivemos nenhum problema com o Uruguai em matéria econômica com o atual presidente, mas temos que nos preparar sempre para o pior.

Ontem, a Chancelaria uruguaia convocou o embaixador brasileiro, Antonio José Ferreira Simões, para pedir explicações sobre as declarações de Bolsonaro. Segundo uma fonte diplomática, Simões assegurou que não é intenção do Brasil interferir em assuntos internos do país vizinho. Disse que as declarações do presidente podem ter sido mal interpretadas pela imprensa uruguaia, e comentou que, para o governo brasileiro, a democracia vencerá e prevalecerá no país vizinho. (Colaborou Eliane Oliveira, Brasília)