O Globo, n. 31611, 23/02/2020. País, p. 10

Linguagem da caserna vira o novo ‘’idioma’’ do Planalto

Naira Trindade
Daniel Gullino


Ao receber o texto final da reforma administrativa, o presidente Jair Bolsonaro avisou que iria “papirar” todo o conteúdo da proposta antes de decidir sobre o envio ao Congresso. A expressão, que num primeiro momento soa estranha a civis, faz parte de um vasto vocabulário militar que tem se tornado comum no Palácio do Planalto. Em pouco mais de um ano de governo, servidores já aprenderam que Bolsonaro não estuda, papira. Não dá dica, dá bizu. E, se a missão é fácil, trata-se de um “galho fraco”.

Três semanas atrás, quando Bolsonaro foi questionado por jornalistas se Onyx Lorenzoni, então ministro da Casa Civil, havia favorecido seu estado, Rio Grande do Sul, no primeiro ano de governo, respondeu:

— Se estiver acontecendo, teremos problemas pela frente, mas até o momento não plotei isso aí do Onyx não, até o momento — afirmou, usando a palavra plotar para dizer que não tinha descoberto nada sobre o tema.

Durante a cerimônia que transferiu o Conselho da Amazônia para o comando do vice-presidente Antônio Hamilton Mourão, o ministro Augusto Heleno (Gabinete da Segurança Institucional) explicou como nasceu o brado “selva”.

— O homem que contribuiu decisivamente para que a Amazônia aparecesse para o Brasil inteiro foi o coronel Jorge Teixeira — afirmou, explicando que o militar era avesso a burocracia e achava muito demorada a saída de viaturas do Centro de Instrução da Amazônia.

— Então, Teixeira adotou o seguinte: as viaturas que eram do Centro de Instrução, quando passassem pelo corpo da guarda, não precisam anotar número da viatura, quilometragem, quantos litros de gasolina, bastava falar “selva” e passar — explicou, convidando os presentes a fazer o brado no Planalto.

Heleno gritou: “Tudo pela Amazônia!” e os presentes responderam: “Selva!”. Em um ambiente altamente militarizado, com três ministros generais e um policial militar, aprendeu-se também o significado de “missão dada é missão cumprida”, quando não se pode rejeitar o pedido do superior. Ou até mesmo que “dar as costas” significa confiar no parceiro de guerra, como o ministro Luiz Eduardo Ramos (Secretaria de Governo) diz em relação a Braga Netto, que assumiu o comando da Casa Civil.

O novo dicionário palaciano

Acochambrar: ficar de corpo mole para executar alguma função, relaxar, vagabundar

Arrego: expressão usada quando se está muito indignado

Arranchar: comer

Avançar: entrar

Bisonho: pessoa inexperiente

Bizu: uma dica, um conselho

Baixaria: ato de fazer algo feio

Caserna: nome dado ao quartel

Camuflar: se esconder

Dar as costas: sinal de confiança

Dar golpe: burlar um regulamento

Dar sopa na crista: querer aparecer e não se dar bem por isso

Embuste: gabar-se, tirar onda, contar vantagem

Escamotear: fugir de responsabilidades

Estar de baixa: estar doente

Galho fraco: tarefa fácil de se cumprir

Ir na rota: seguir destino

Jangal: vem de jungle (selva, em português) e significa situação ruim, difícil

Laranjeira: quem vive dentro do quartel, quem mora no quartel

Missão cumprida: quando a tarefa é resolvida

Moita: quem não é visto, quem fica quieto

Mulambo: mal feito, mal vestido

No pau da goiaba: a coisa como ela realmente é; sem rodeios

Papirar: estudar

Paisano: civil

Piruar: se oferecer para algo; está piruando tirar serviço no próximo fim de semana

Plotar: descobrir

Raro: sujeito estranho, esquisito

Rolha: que não tem muita utilidade, sem objetivo, meio inútil

Sanhaço: situação difícil, preocupante, instável

Safo: descolado, esperto, que resolve todos os problemas, experiente

Segue o destino: ir embora

Selva: grito de guerra

Ter permissão: estar autorizado a tomar alguma medida

Torar: dormir

Última forma: esqueça o que eu disse, recuar de alguma decisão

Zaralho: bagunça

Zero: estar entre os dez primeiros da turma

Zero um: melhor colocado, número um da turma