Correio Braziliense, n. 21402, 21/10/2021. Política, p. 3

"Não temos culpa de nada"

Jorge Vasconcellos
Luana Patriolino
Raphael Felice


O presidente Jair Bolsonaro se eximiu de culpa nos crimes dos quais é acusado no relatório da CPI da Covid, elaborado pelo senador Renan Calheiros (MDB-AL). “Sabemos que não temos culpa de absolutamente nada. Sabemos que fizemos a coisa certa desde o primeiro momento. No momento em que ninguém sabia como tratar aquela doença, eu tive a coragem de me apresentar, depois de ter ouvido muita gente, em especial médicos, me apresentei para uma possível solução calcada na autonomia do médico brasileiro”, discursou, durante evento em Russas (CE). “O médico deve orientar e receitar cada um de vocês, se não tem remédio específico. Segundo o Conselho Federal de Medicina (CFM), tem a liberdade e o dever de buscar uma alternativa com o paciente e seus familiares.”

O chefe do Executivo voltou a defender o uso de medicamentos, como ivermectina e cloroquina, que são ineficazes contra a doença. “A alternativa cabe ao médico brasileiro. A voz do médico é o CFM, que não diz o que fazer, mas garante autonomia do médico preservada. Muitos se salvaram em função disso”, enfatizou.

Ele também atacou a comissão do Senado. “A CPI não está fazendo algo de produtivo para o Brasil. Tomaram tempo do nosso ministro da Saúde, de servidores, pessoas humildes e de empresários. Nada produziram, além do ódio e rancor entre alguns de nós”, acusou.

Também foram incluídos no relatório os três filhos do chefe do Executivo, por incitação ao crime. Em resposta, o senador Flávio Bolsonaro (Patriota-RJ) disse que o parecer é “uma alucinação” e que “não se sustenta”. “Trata-se apenas de uma peça política para agradar ao PT e para tentar desgastar o presidente Jair Bolsonaro nas eleições de 2022. As acusações contra mim e contra o governo não têm base jurídica e sequer fazem sentido”, frisou. Mais cedo, o senador causou tumulto na CPI. Ao ser questionado sobre como o pai reagiria ao relatório, disse que ele daria “aquela gargalhada dele” e simulou a risada característica do presidente da República.

O vereador Carlos Bolsonaro (Republicanos-RJ) publicou nas redes sociais trechos de vídeos antigos em que o senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP) e o governador de Alagoas, Renan Filho (MDB), filho de Renan Calheiros falam sobre o uso da cloroquina. “Será que ele esqueceu de incluir no relatório o que seu filho, governador de Alagoas, falou sobre o tal remédio proibido de mencionar o nome?”, ironizou. O deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) não se pronunciou.

Parlamentares

A deputada Carla Zambelli (PSL-SP), acusada também de incitação ao crime, alegou que foi ao Supremo Tribunal Federal (STF), por meio de um habeas corpus, na terça-feira, para ser ouvida pela comissão. Ela afirmou que não teve direito de defesa e criticou o colegiado. “Espero que tenham a dignidade de me chamar para depor”, afirmou. Também citada pelo mesmo motivo, a deputada Bia Kicis (PSL-DF) não quis se manifestar.

A secretária de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde, Mayra Pinheiro, conhecida como Capitã Cloroquina, foi acusada de epidemia com resultado de morte, prevaricação e crime contra a humanidade. A defesa sustentou que ela é “uma servidora exemplar, que atua com competência e probidade”. Segundo a nota oficial, Mayra “arriscou sua própria vida para salvar as pessoas acometidas de covid, na grave crise sanitária de Manaus, causada, sobretudo, pela falta de escrúpulo de agentes públicos, que desviaram o dinheiro da saúde, comprando, inclusive, respiradores em loja de vinho”.

 

Miranda: "Eu faria de novo"
Ana Maria Campos
Gabriela Chabalgoity


Autor da denúncia de um esquema de corrupção no Ministério da Saúde envolvendo a compra da vacina Covaxin — relacionado no parecer final da CPI da Covid —, o deputado Luis Miranda (DEM-DF) disse não se arrepender. "Eu faria de novo. Eles mataram com o desvio de dinheiro público, e não foi só isso, eles cometeram um crime contra a vida, contra a saúde pública e contra os brasileiros", enfatizou, ao programa CB.Poder, parceria entre o Correio e a TV Brasília.

Para Miranda, se o relatório da CPI tiver provas cabíveis contra o presidente Jair Bolsonaro — acusado de nove crimes —, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), terá de abrir processo de impeachment contra o chefe do Executivo. "Acho que fica muito difícil de Lira não pautar, praticamente impossível."

Ele ressaltou, no entanto, que o presidente da Câmara avaliará o termômetro na Casa para decidir se adotará a medida. "Lira vai sentir, primeiro, se o presidente perdeu a popularidade para que não haja um dano ainda maior à imagem dos parlamentares, que, porventura, não querem ter o apoio ao impeachment nas costas para 2022", destacou. "Isso tanto pode dar votos para uns como pode tirar votos de outros. Ele trabalha muito mais de uma forma política, do que de fato pensando se existe ou não crime por parte de Bolsonaro."

De aliado, Miranda se tornou desafeto do presidente ao afirmar, na CPI, ter alertado o chefe do Executivo de que a compra da Covaxin pelo Ministério da Saúde seria parte de um esquema de corrupção. Bolsonaro prometeu tomar providências, mas não teria tomado. "Pela convivência, pelo que eu escutei dos colegas governistas, o problema é que ele não queria nenhum caso de corrupção no governo até 2022. A mínima suspeita já o impactaria de forma negativa, e ele queria abafar a situação o máximo possível", contou.

O deputado disse não ser mais eleitor do chefe do Planalto. "Hoje, eu conheço claramente quem é Bolsonaro. Vejo que, pelo poder, ele é capaz, inclusive, de trair seus aliados", afirmou.

*Estagiária sob a supervisão de Cida Barbosa