Correio Braziliense, n. 21402, 21/10/2021. Economia, p. 7

Por auxílio, governo quer licença para gastar

Ingrid Soares
Cristiane Noberto
Rosana Hessel
Vera Batista


Apesar da reação negativa do mercado financeiro e dos alertas de especialistas para o risco de descontrole fiscal, o governo bateu o martelo sobre o valor do benefício do Auxílio Brasil, programa que substituirá o Bolsa Família. Mesmo sem fonte de recursos definida, o presidente Jair Bolsonaro confirmou ontem que pretende, a partir de novembro, pagar R$ 400 mensais às famílias assistidas pelo programa. Ao anunciar a decisão, durante evento em Russas, no Ceará, o presidente garantiu que "ninguém irá furar o teto nem fazer estripulia no Orçamento".

A medida significa uma derrota para o ministro da Economia, Paulo Guedes. Ele vinha resistindo a avalizar um programa sem fonte orçamentária, mas foi atropelado pela ala política e pelos planos eleitorais do presidente da República. O programa vai exigir cerca de R$ 85 bilhões em 2022, mas o governo não tem todo esse dinheiro. Ontem à tarde, em São Paulo, o ministro disse que o governo quer uma espécie de "licença para gastar".

Guedes admitiu que quer um waiver (licença para descumprir exigências) de R$ 30 bilhões para concretizar a ajuda aos mais pobres. "Como a intenção é a proteção dos mais frágeis, vamos pedir que isso venha como um waiver, para atenuar o impacto socioeconômico da pandemia. Estamos ainda finalizando, vendo se conseguimos compatibilizar isso", disse.

A principal aposta do governo é a aprovação da PEC dos Precatórios, que estabelece um limite para o pagamento das dívidas judiciais da União, abrindo espaço no orçamento para o Auxílio Brasil. A PEC, porém, enfrenta obstáculos no Congresso e, ontem, teve mais uma vez adiada a votação na comissão especial da Câmara que analisa o tema.

Apesar de ter perdido a batalha para a banda política, Guedes disse que o compromisso com o teto dos gastos será mantido e negou que haja viés populista nas ações do governo. "Queremos ser um governo reformista e popular, não populista. Os populistas estão desgraçando os seus países", afirmou.

Coube ao ministro da Cidadania, João Roma, detalhar, em entrevista no Palácio do Planalto, os planos do governo para o Auxílio Brasil. O programa terá início em novembro, com reajuste de 20% em relação ao que é pago, hoje, pelo Bolsa Família. Com isso, o valor médio dos benefícios passaria de R$ 190 para R$ 228. Entretanto, de novembro deste ano, até o fim de 2022, será pago um "benefício transitório" às famílias, para garantir um pagamento mínimo de R$ 400 por mês.

"Esse programa (Bolsa Família, que passará a se chamar Auxílio Brasil) terá um reajuste de 20%. É um programa que é permanente, e seguirá em 2021, 2022, 2023, e assim sucessivamente. Isso chama-se despesa permanente do governo. É um programa que está estruturado para que avance cada vez mais, com políticas integradas, para atender aos brasileiros mais necessitados", explicou Roma.

"Já o benefício transitório terá por finalidade equalizar o pagamento desses benefícios para que nenhuma das famílias beneficiárias receba menos de R$ 400. Isso é o que estamos tratando internamente no governo e também junto ao Congresso Nacional para que, com a aprovação da PEC do relator deputado Hugo Mota (dos Precatórios), tudo seja viabilizado dentro das regras fiscais", acrescentou.

Roma disse, ainda, que o número de famílias beneficiadas passará de 14,7 para 17 milhões. "Não estamos aventando que o pagamento se dê através de créditos extraordinários. Estamos buscando dentro do governo todas as possibilidades para que o atendimento dos mais necessitados siga de mão dada com a responsabilidade fiscal", garantiu.

Para Leonardo Queiroz Leite, cientista político e doutor em Administração Pública pela Fundação Getúlio Vargas (FGV-SP), o anúncio do novo programa foi pensado estrategicamente para tentar minimizar os danos causados ao governo e ao presidente Jair Bolsonaro pelo relatório final da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da covid.

Segundo Leite, o aumento do auxílio terá efeito positivo para o governo, pois atinge camadas muito vulneráveis e é um dinheiro que faz diferença na vida das pessoas mais necessitadas. "Mas é necessário lembrar que Bolsonaro está dando uma nova roupagem a um programa que já existe. Tem a ver com eleição, pois ele tenta entrar em determinados redutos, principalmente no Nordeste. Mas não é suficiente para neutralizar a queda de popularidade. Ele terá que mostrar outras melhorias, como na saúde e na economia", avaliou.

"Bolsonaro está dando nova roupagem a um programa que já existe. Tem a ver com eleição, pois ele tenta entrar em determinados redutos, principalmente no Nordeste. Mas terá que mostrar melhorias na saúde e na economia"
Leonardo Queiroz Leite, cientista político