Título: Uma escola de jornalismo
Autor: José Eduardo Gonçalves*
Fonte: Jornal do Brasil, 18/04/2005, Economia & Negócios, p. A17

Uma das mais marcantes contribuições da Gazeta Mercantil para o jornalismo brasileiro foi a cobertura sistemática do mundo de negócios, sem descuidar do noticiário macroeconômico. Não poderíamos dizer que outros veículos não tenham procurado, desde a segunda metade do século 20, focalizar a vida das empresas e a evolução dos negócios. Alguns o fizeram, e com brilhantismo. A proposta da Gazeta Mercantil, à qual este jornal tem-se mantido fiel, foi inovadora porque nos dispúnhamos a dedicar, todos os dias da semana, um grande espaço exclusivamente para as empresas, classificadas pelos seus setores de atividades.

Como conseqüência, as notícias sobre negócios ganharam um destaque até então inusitado na imprensa brasileira, passando a figurar regularmente na primeira página do jornal. Para conquistar a credibilidade que tanto prezamos, a isenção foi sempre o princípio editorial basilar da Gazeta Mercantil. Ou seja, nenhuma informação sobre qualquer empresa é publicada, sem que ela própria ou partes envolvidas sejam ouvidas. Quando fica impossível cumprir essa regra, por motivos diversos, a ética nos obriga a deixar claro que nossos repórteres ou editores procuraram a empresa, órgão ou entidade e que seus responsáveis preferiram não se pronunciar.

A prática cotidiana desses princípios e a extensão do noticiário sobre economia e negócios, relacionando-o ao que ocorria no mundo, projetou a Gazeta Mercantil como uma valiosa fonte da história das empresas e dos grandes grupos, história essa que é hoje cada vez mais valorizada nos centros mais avançados de estudos econômicos do Brasil e do exterior.

Como é natural, houve inicialmente resistências a esse tipo de jornalismo de negócios, que buscava informações sobre investimentos, resultados financeiros, técnicas de administração e tecnologias adotadas pelas companhias instaladas em diversas regiões do Brasil. Um grande número de empresários não estava acostumado a essa curiosidade jornalística e se preocupava com o efeito do noticiário no mercado em geral ou em relação à concorrência.

Não se pode dizer que o jornal ou outros veículos tenham hoje acesso pleno às informações empresariais que buscam, mas a Gazeta Mercantil, sem dúvida, muito fez para que se vencesse a desconfiança entre o empresariado e a imprensa. Convém notar, bem a propósito, que, entre as responsabilidades que se impõem às empresas que figuram nos mais altos níveis do mercado de ações, está justamente a transparência.

Dada a linha que tem perseguido há mais de 30 anos, a Gazeta tornou-se naturalmente um veículo para expressão do empresariado, tanto por meio do noticiário sobre posições ou reivindicações deste ou daquele setor quanto por artigos publicados regularmente de autoria de personalidades ligadas à vida empresarial ou à comunidade acadêmica. Não por acaso, certamente, o jornal, em um momento sombrio de nossa história, atuou como um núcleo para que empresários se manifestassem em favor da democracia, no marco de uma economia de mercado.

Os memoráveis Documentos dos Oito (1978) e dos Doze (1983) deram origem ao Fórum de Líderes Empresariais Gazeta Mercantil, que discute e formula proposições para o futuro do país, cumprindo, institucionalmente, um papel fundamental para uma sociedade que quer se manter aberta. A Gazeta Mercantil tem vivido fases de dificuldades, mas que, em nenhum momento, comprometeram a sua postura editorial. Falhas têm havido, erros foram cometidos, mas é inegável que o jornal foi e continua sendo uma escola, não só pelo vasto número de profissionais que formou, como pela difusão no meio jornalístico de sua forma de tratar a notícia econômica ou de negócios.

(*) Editor-chefe da Gazeta Mercantil