Título: Campo e indústria em lados opostos
Autor: Rafael Rosas
Fonte: Jornal do Brasil, 18/04/2005, Economia & Negócios, p. A19
Interesses divergentes em negociações internacionais geram conflitos dentro de cadeias produtivas como açúcar e algodão
A passagem do Brasil de um país agrário para uma economia industrializada gerou conflitos entre os setores rural e empresarial a respeito de proteção e acesso a mercados. Hoje, apesar de consolidado como uma economia diversificada, o país ainda assiste a pequenas rusgas e conflitos de interesse entre campo e indústria.
No bolo de negociações e encontros no âmbito do Mercosul, acordos com a União Européia e a discussão, parada há mais de um ano, sobre a Área de Livre Comércio das Américas (Alca), os dois setores reclamam de serem usados como moeda de troca para ganhos em outros segmentos.
Durval de Noronha Goyos Júnior, árbitro brasileiro na Organização Mundial do Comércio (OMC) e sócio do escritório Noronha Advogados, lembra das negociações para a formação do Mercosul, no começo da década de 90.
- O setor de açúcar, não subsidiado e competitivo, com 1,2 milhão de trabalhadores rurais, foi excluído do Mercosul para favorecer a política de informática brasileira na ocasião. Hoje, a política de informática fracassou, mas o açúcar continua fora dos acordos do bloco - critica, argumentando que o acesso ao mercado argentino representaria a criação de cerca de 300 mil novos empregos rurais na cadeia do açúcar.
Durval de Noronha é incisivo e afirma que alguns setores da indústria pressionam a Câmara de Comércio Exterior - composta pelos ministérios do Desenvolvimento, Agricultura, Relações Exteriores, Planejamento, Casa Civil e Fazenda - a evitar o pedido de salvaguardas do governo brasileiro contra o arroz importado de Argentina e Uruguai, que segundo ele obriga produtores nacionais a venderem a mercadoria abaixo do preço de custo.
- Eles pensam que uma ação neste sentido pode motivar e justificar um pedido argentino semelhante no setor de eletrodomésticos - enfatiza.
A indústria rebate as acusações. Para o embaixador Rubens Barbosa, presidente do Conselho Superior do Comércio Exterior da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), o máximo que pode acontecer é uma tentativa isolada de algum empresário para barrar medidas semelhantes.
- Desconheço qualquer tentativa organizada neste sentido. A Fiesp defende que negociações internacionais devem ter concessões de lado a lado, com equilíbrio entre os setores - garante Barbosa.
Para Julio Gomes de Almeida, diretor-executivo do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi), no entanto, seria errado por parte do governo brasileiro sacrificar o segmento industrial por pequenos ganhos ''em setores de pouco valor agregado''.
- Na maior parte dos setores industriais não existem barreiras. Só não queremos abrir mercado rapidamente em alguns segmentos em troca de uma migalha no agronegócio - afirma.
Durval volta à carga ao falar do algodão. Ele explica que as indústrias têxteis combatem as demandas brasileiras contra os subsídios dos plantadores americanos, pois uma vitória do país elevaria os preços da matéria-prima para as fábricas.
- O pleito dos agricultores brasileiros foi legítimo e vitorioso. O algodão é uma commodity e a variação de preço faz parte do jogo - garante Fernando Pimentel, diretor da Associação Brasileira da Indústria Têxtil e de Confecção (Abit).