O Globo, n. 31493, 28/10/2019. País, p. 6
Queiroz: ‘não vejo ninguém mover nada para me ajudar’
Juliana Dal Piva
Em uma conversa por áudio, de junho deste ano, via WhatsApp, o subtenente da reserva da Polícia Militar do Rio Fabrício Queiroz demonstrou preocupação a respeito das investigações que tramitam no Ministério Público do Rio (MP-RJ). O exassessor do senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ) é suspeito de fazer “rachadinha” — prática em que servidores de gabinetes devolvem parte do salário para parlamentares.
— O MP está com uma pica do tamanho de um cometa para enterrar na gente e não vem ninguém agindo — disse Queiroz.
A gravação, na íntegra, tem 43 segundos e foi obtida pelo GLOBO com uma fonte que pediu sigilo de sua identidade. Uma parte desse áudio foi revelada ontem pelo jornal “Folha de S.Paulo”.
No diálogo, com um interlocutor não identificado, Queiroz faz uma comparação de seu caso com os rumos da investigação sobre Adélio Bispo, autor do atentado contra o presidente Jair Bolsonaro durante a campanha eleitoral do ano passado.
Antes de enviar o áudio, Queiroz manda uma mensagem para o mesmo interlocutor. Nela, diz acreditar que alguém contratou Adélio para o atentado—apesar de a investigação da Polícia Feder alter concluído que ele agiu sozinho. Na sequência, no áudio ao qual O GLOBO teve acesso, Queiroz indica que deseja se empenhar para saber quem seria o eventual mandante.
— Se eu não estou com esses problemas aí, a gente de bobeira, não ia ter que fazer muita coisa, com eles lá em Brasília, podia estar aí igual a você aí, andando e ia dar para investigar, infiltrar, botar um “calunga” no meio deles, entendeu? Para levantar tudo. A gente mesmo levantava essa parada aí( quem contratou Adélio) —diz Queiroz.
Em seguida, o ex-assessor reclama da falta de apoio:
—O caral á( Adélio) tá hiper protegido. Eu não vejo ninguém mover nada para tentar me ajudar aí. Vê, tal. É só porrada cara — completa, ao mencionar preocupação com as investigações do MP-RJ.
Em junho deste ano, o juiz Bruno Savino, da Justiça Federal em Juiz de Fora (MG), absolveu Adélio por ele sofrer de transtorno delirante persistente, segundo pareceres médicos de sua defesa e de peritos escolhidos pela acusação. Ele foi considerado inimputável, ou seja, não pode ser punido criminalmente. O juiz converteu a prisão preventiva em internação por tempo indeterminado.
“20 continho”
Na última quinta-feira, o Globo revelou um áudio via WhatsApp, do início de junho, no qual Queiroz debate com um interlocutor a situação de cargos que podiam ser usados por aliados no Congresso.
— Tem mais de 500 cargos, cara, lá na Câmara e no Senado. Pode indicar para qualquer comissão ou, alguma coisa, sem vincular a eles (família Bolsonaro) em nada —diz ele, no áudio, e depois complementa: — Vinte continho aí para gente caía bem pra c**.
Queiroz demonstrou ainda, no áudio, conhecer o funcionamento do gabinete de Flávio:
— O gabinete do Flávio faz fila de deputados e senadores, pessoal para conversar com ele, faz fila. Só chegar lá e nomeia fulano aí para trabalhar contigo aí, salariozinho bom desse aí para a gente que é pai de família, cai como uma uva .
Em outro áudio, divulgado ontem pela “Folha de S.Paulo”, Queiroz fala que Jair Bolsonaro disse a ele que ia exonerar uma funcionária do gabinete do vereador Carlos Bolsonaro (PSC-RJ) que, segundo o jornal, seria fantasma.
No áudio, Queiroz diz que o presidente falou da exoneração de Cileide Mendes.
— Na época, o Jair falou para mim que ele ia exonerar a Cileide porque a reportagem estava indo direto lá na rua e para não vincular ela ao gabinete. Aí ele falou: ‘Vou ter que exonerar ela assim mesmo’. Ele exonerou e depois não arrumou nada para ela, não? Ela continua na casa em Bento Ribeiro? — questiona o ex-assessor no áudio, gravado em março deste ano.
Em outro áudio divulgado pela “Folha de S. Paulo”, Queiroz diz estar “agoniado” para voltar ao PSL. Ele diz ao interlocutor não identificado que quer “assumir” o partido. Flávio Bolsonaro é o presidente do diretório regional do Rio.
— Resolvendo essa pica que está vindo na minha direção, se Deus quiser vou resolver, vamos ver se a gente assume esse partido aí. Eu e você de frente aí. Lapidar essa p*** — diz Queiroz, no áudio.