Título: Metrópoles sem controle
Autor: Israel Tabak
Fonte: Jornal do Brasil, 17/04/2005, País, p. A4

Desordem urbana preocupa especialistas e motiva ação do Ministério das Cidades No fim da década de 60, a Barra da Tijuca e o Recreio dos Bandeirantes viviam em meio a uma anarquia urbanística, sem um projeto que orientasse o desenvolvimento da região. Após uma campanha do Jornal do Brasil, o então governo do Estado da Guanabara decidiu convidar o urbanista Lúcio Costa para fazer o plano de ocupação de toda a Baixada de Jacarepaguá. Alguns anos depois, ele fez a denúncia: o plano fora tão descaracterizado que não merecia mais figurar com o seu nome. O episódio serve para situar um fenômeno que se espalha pelas metrópoles e outras cidades brasileiras: os planos urbanísticos viraram letra morta em meio ao crescimento desordenado e caótico das cidades, acompanhado por um sistema de transporte fora dos eixos - com tarifas que sempre sobem acima da inflação - sem falar na explosiva favelização, fruto da ausência de uma política habitacional em larga escala.

O Ministério das Cidades reconhece o problema e se prepara para deflagrar uma campanha de conscientização em torno da execução dos planos diretores participativos, tornados obrigatórios pela legislação.

- Existem lobbies de interesse que exercem forte pressão sobre as prefeituras e decidem questões fundamentais: desde a forma de ocupação dos terrenos até o valor do reajuste das passagens do transporte coletivo. É um modelo excludente, perverso, que marginaliza das decisões o conjunto da sociedade - afirma o diretor do Departamento de Planejamento Urbano do Ministério das Cidades, Benny Schasberg.

De acordo com o urbanista Luiz César Queiroz Ribeiro, o problema da mobilidade nas cidades ''é gravíssimo''.

- O preço do transporte é alto e o sistema não funciona bem, tanto que as pessoas estão andando cada vez mais a pé ou de bicicleta. Muita gente pára até de procurar emprego porque não tem dinheiro para a condução.

Segundo o urbanista, os números mostram que nos últimos anos, o preço das tarifas do transporte coletivo no país tem superado a inflação e o aumento dos salários.

A situação é tão delicada que num encontro realizado pela Frente Nacional dos Prefeitos (FNP), na semana passada, em Salvador, os participantes concordaram que o alto preço das tarifas de transporte coletivo é um problema nacional. Segundo o prefeito de Recife, João Paulo (PT), é necessário um pacto federativo, envolvendo estados, municípios, a União e a sociedade, para que haja uma reforma estrutural . O fortalecimento do gerenciamento público do sistema, para que atenda os interesses de toda a sociedade, e não de grupos de interesse, foi uma das medidas sugeridas no encontro.

A expansão urbana desordenada das cidades preocupa não só os técnicos do Ministério das Cidades como também as entidades ligadas ao setor. Wilson Lang, presidente do Confea - Conselho Federal de Engenharia, Arquitetura e Agronomia - comenta que a cidadania de uma comunidade é avaliada pela qualidade do seu serviço público de transporte.

- Isso vale para o mundo todo. E, infelizmente, podemos dizer que a situação do transporte público nas metrópoles brasileiras é um escândalo nacional. Este é um dos grandes desafios da sociedade brasileira e tem a ver com o restante do planejamento urbano. Sem uma ação séria, e não apenas episódica e eleitoreira, ninguém resolverá o problema - alerta.

O objetivo do Confea, segundo seu presidente, é se integrar à ação que será desenvolvida pelo ministério para conscientizar as comunidades e as prefeituras sobre os planos diretores participativos.

O Ministério das Cidades informa que todas as cidades em regiões metropolitanas, ou com mais de 20 mil habitantes, ou ainda que integram aglomerados urbanos, terão que finalizar seus planos até outubro de 2006, conforme prevê a legislação. Além disso, os planos diretores com mais de 10 anos - como ocorre no Rio - terão de ser revistos.

- O Confea, juntamente com os Creas, está formando profissionais capazes de colaborar para a criação de planos diretores que representem, de fato, as aspirações da sociedade, com a participação de todos os seus setores, e não apenas de grupos específicos. Este é o caráter ''participativo'', do plano - diz Lang.

São ao todo 2.353 municípios, que terão de elaborar ou rever seus planos. O Confea pretende também ampliar o serviço de Engenharia Pública, que leva às populações mais carentes informações e tecnologias que permitem projetar e executar novas habitações.

Benny Schasberg, do Ministério das Cidades, não desconhece que malograram outras tentativas de incentivar o controle comunitário sobre as ações públicas, como foi o caso de alguns conselhos municipais criados para monitorar sistemas de saúde.

- Em alguns casos, os donos do poder local acabam anulando a tentativa de controle social. Isso é mais um motivo para mobilizarmos a sociedade, oferecendo ajuda em recursos e instrumental técnico, para a execução dos planos - explica o diretor de Planejamento Urbano do ministério.

Com essa mecanismo, o governo pretende combater o que Schasberg chama de máfia dos planos diretores.

- Tem gente que vende planos prontos, a metro. Os prefeitos compram os projetos e depois simulam reuniões de fachada ou audiências públicas, para fingir que estão cumprindo a lei. É essa mentalidade que pretendemos combater - afirma.