Correio Braziliense, n. 21404, 23/10/2021. Política, p. 4

Calma relativa no mercado

Fernanda Strickland
Gabriela Bernardes


A cena do presidente Jair Bolsonaro e do ministro da Economia, Paulo Guedes, lado a lado, na coletiva de ontem à tarde, trocando votos de confiança mútua, serviu para levar uma calma relativa ao mercado financeiro depois de uma semana de turbulências — agravada, sobretudo, pela saída de quatro integrantes da equipe econômica, na última quinta-feira. Isso deu forças para uma recuperação mínima, com o dólar em baixa de 0,71%, fechando a R$ 5,6273. Já a Bolsa brasileira (B3) estancou parcialmente as perdas, em queda de 1,34%, aos 106.269,18 pontos, após subir mais de 4%. Ainda assim, no acumulado dos últimos cinco dias, o Ibovespa teve perda de 7,28% — a pior semana em dois anos.

A calma relativa se deve ao anúncio da ampliação do teto de gastos, que manteve a tensão no ar. Tanto que bancos e operadoras preveem um novo aumento na taxa Selic — o Comitê de Política Monetária do Banco Central (Copom) se reúne nas próximas terça e quarta-feiras. O Crédit Suisse deu o alerta em seu briefing diário: “Não tem almoço grátis: fim do teto de gastos vai afetar o PIB e a inflação”, afirmou.

“O rompimento do teto foi bem precificado, e a aparição de Bolsonaro e Guedes juntos traz um pouco mais de tranquilidade, embora ninguém tenha gostado dessa notícia da semana, a ruptura do teto, uma medida populista, 100% voltada para eleição”, criticou Viviane Vieira, operadora de renda variável da B.Side Investimentos.

Segundo Leonardo Milane, sócio e economista da VLG Investimentos, “a debandada no Tesouro foi uma sinalização ruim, deixando Paulo Guedes isolado, o que explica a reação negativa, estressada, do mercado”. Para ele, a “poeira não está baixando”, com outros fatores de risco ainda pendentes no curto prazo, como a possibilidade de paralisação de caminhoneiros. “O estouro do teto mostra que o Guedes não está mais lá para impedir que seja furado”, observa.

Já o cientista político Nauê Bernardo Pinheiro ainda avalia como negativa a reação dos investidores, “mas é possível que a maior parte do mercado tenha percebido que a questão não é o ministro da economia, mas sim a falta de sinergia entre esse ministério e a ala política do governo”.

“Devem ter percebido que o problema não é Paulo Guedes, mas o governo como um todo”, salientou.

André Braz, economista da Fundação Getúlio Vargas, considera que a volatilidade cambial tem a ver com o clima de incerteza política e fiscal. “Após o pronunciamento, o que restou foi o agravamento das questões fiscais. Isso deve manter o ambiente de incerteza, que mantém o real desvalorizado, forçará a inflação e exigirá maior esforço da política monetária”, apontou.

A economista-chefe do Banco Ourinvest, Fernanda Consorte, ressalta que a percepção de risco segue alta.

“O dólar no patamar atual sugere que o mercado não gostou das mudanças fiscais, que ainda são vistas como ‘pedaladas’. Devemos ver ainda bastante volatilidade”, alertou. (Com Agência Estado)

*Estagiária sob a supervisão de Fabio Grecchi

 

Política econômica em risco
​Fernanda Fernandes
Luana Patriolino
Vera Batista
Raphael Felice


Apesar das divergências com a ala política — que tem comandado, também, as decisões econômicas —, o ministro da Economia, Paulo Guedes, deixou claro que está totalmente envolvido no projeto de reeleição do presidente Jair Bolsonaro. Tanto que avalizou a iniciativa do governo de mudar a regra do teto de gastos para bancar o Auxílio Brasil de R$ 400.

A postura de Guedes deixa economistas pessimistas em relação ao futuro da política econômica do governo. “A anarquia fiscal acabou de ser instalada com as medidas para criar o Auxílio Brasil com a conivência do Congresso. Um grande risco para o futuro econômico da nação, gerando inseguranças que refletirão nos diversos indicadores econômicos”, alertou o economista Cesar Bergo.

Eduardo Moreira, empresário e ex-banqueiro de investimentos, é taxativo ao dizer que a tendência do mercado é de apostar na piora do cenário econômico. “O que se vê é populismo ao extremo, com interesses eleitoreiros, apoiado pelo Centrão. Todos vão pedir um pouquinho. Daqui em diante, tudo vai depender de quanto tempo Guedes vai ficar e de quem vai assumir o lugar dele. Será que alguém com credibilidade aceitaria a tarefa?”, indagou.

Gil Castello Branco, secretário-geral da Associação Contas Abertas, lembrou que agentes econômicos esperam previsibilidade, estabilidade, planejamento e responsabilidade fiscal. “A irresponsabilidade fiscal tem perna curta. O rombo no teto não objetiva, apenas, ampliar um programa social. Às vésperas do ano eleitoral, virão gastos políticos, inclusive as malfadadas e bilionárias emendas de relator”, criticou.

Para o economista Helio Zylberstajn, da Fundação Instituto de Pesquisas EconômicasAdicionar (Fipe), “furar o teto dos gastos significa perda de credibilidade, instabilidades no câmbio, aumento da dívida pública e dos juros. E mais sofrimento para a população”.

Da mesma forma, o economista Roberto Ellery, professor da Universidade Federal de Brasília (UnB), prevê dias difíceis. “A situação da economia, que já estava ruim, tende a piorar com o desmonte do teto”, afirma. Na avaliação dele, o que poderá trazer algum alívio é a proposta da reforma do Imposto de Renda (IR). A calmaria, no entanto, será temporária. “A aprovação da reforma do IR pode colocar uma fonte de recursos, mas não resolve o problema do teto”, afirma Ellery. Porém, o PL 2337/21, que reforma do IR, deverá ser votado somente no próximo ano, segundo o relator, senador Angelo Coronel (PSD-BA).

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