O Globo, n. 31449, 14/09/2019. País, p. 8

Com verba bloqueada, Moro quer dedução fiscal para Segurança
Jailton De Carvalho
Renata Mariz


Um dos principais auxiliares do ministro Sergio Moro na pasta da Justiça, o secretário nacional de Segurança Pública, Guilherme Theófilo, deve sugerir ao governo a edição de uma medida provisória para permitir que pessoas e empresas façam doações ao Fundo Nacional de Segurança Pública em troca de deduções fiscais. Pela proposta em estudo, pessoas físicas poderiam abater no imposto de renda até 60% dos valores doados. As deduções para empresas seriam menores, em torno de 40%.

Esta é uma das medidas que o ministério elabora para tentar driblar as restrições de recursos. Na proposta de orçamento para 2020 enviada pelo governo ao Congresso, as verbas da Justiça caíram 18% em relação ao estipulado no ano passado. Atualmente, a pasta sofre com contingenciamentos. O Fundo Penitenciário Nacional

(Funpen) tem no momento mais de meio bilhão de reais bloqueados para uso. As informações sobre mais uma fonte alternativa de verbas para a segurança pública foram divulgadas ontem pelo “Estado de S.Paulo”. O Ministério da Justiça confirma o estudo sobre a dedução fiscal, mas diz que a análise sobre o tema ainda não é conclusiva. Faltaria ainda amarrar alguns pontos da proposta e, sobretudo, acertar detalhes importantes da iniciativa como Ministério da Economia e como Palácio do Planalto. Cabe à equipe do ministro Paulo Guedes concordar ou não coma renúncia fiscal. Depois disso, o Planalto deverias e manifestara inda sobre aviabilidade de apresentara proposta por medida provisória. No domingo passado, o GLOBO revelou que a equipe do ministro Ser gio Moro está em tratativas coma Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), com o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e com o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) em busca de recursos extras para financiar ações na área de segurança pública.

Lei veta bloqueio

Enquanto isso, o Ministério da Justiça tenta com a pasta da Economia a liberação de R$ 563 milhões do Funpen. A verba é destinada aos estados para aplicação na área carcerária, com reformas e construção de presídios, compra de equipamentos e programas de modernização, entre outros. O Ministério da Economia confirma que o pedido está tramitando, mas “ainda sem previsão” de autorização. Os recursos do Funpen não podem ser contingenciados, segundo prevê expressamente uma lei de 2017. Antes disso, em 2015, o Supremo Tribunal Federal (STF) divulgou uma decisão na mesma direção: ordenou que o governo federal desbloqueasse todo o recurso que havia no fundo, que chegara a contabilizar mais de R$ 2 bilhões.

O governo, porém, afirma que o bloqueio atual não caracteriza um “contingenciamento”, visto que se trata de arrecadação de exercícios anteriores, e não da dotação aprovada na lei orçamentária. No entanto, o próprio Ministério da Economia informa que, para cumprir a decisão do STF, a pasta de Sergio Moro já enviou a solicitação de acréscimo da dotação do atual exercício — caso em que fica permitido o uso do recurso.

Mesmo que o dinheiro não seja integralmente gasto neste exercício, devido a eventual ausência de projetos e outras questões de ordem burocrática, o valor que estiver acessível poderá ser contabilizado para um repasse automático especial, de 25% do total disponível em 2019, previsto na legislação.

O contingenciamento do Funpen foi uma prática recorrente do governo federal, desde que foi criado, em 1994, para fazer superávit fiscal primário. Até que a decisão do STF de 2015 considerou essa medida ilegal, mandando o governo desbloquear todo o fundo e proibindo novos contingenciamentos. A situação caótica do sistema carcerário no país impulsionou o STF a dar a decisão. Na ocasião, o sistema prisional foi considerado um “estado de coisas inconstitucional”.

A determinação só começou a ser atendida em 2016, durante o governo Temer, e operacionalizada pelo então ministro da Justiça Alexandre de Moraes. No fim do ano, mais de R$ 1 bilhão foram repassados aos estados, como cumprimento da decisão do Supremo.

Meses depois, o Congresso aprovou a medida provisória que disciplinava as transferências do Funpen a partir da nova lógica do STF. A lei elencou os procedimentos dos repasses fundo afundo, áreas a serem cobertas com verbas, estabeleceu a vedação do contingenciamento, entre outros temas.