O Globo, n. 31449, 14/09/2019. Rio, p. 17
Os heróis que surgiram em meio ao desespero
Em meio a tanto desespero, apareceram os heróis. Gente sem superpoderes, mas que tirava força sabe se lá de onde para carregar colchões com pacientes, para correr escada acima com equipamentos médicos necessários ao resgate de doentes, para puxar pelas mãos quem estava quase cedendo aos efeitos da fumaça. Alguns desses heróis tiveram a identidade revelada pela imprensa; outros, como nos filmes e nos quadrinhos, desapareceram logo após cumprirem suas missões. De qualquer forma, todos saíram da Rua São Francisco Xavier recompensados com abraços e palavras de carinho.
Foi o caso da técnica de enfermagem Andreia de Oliveira, uma das pessoas mais abraçadas na noite da tragédia. Menos de 24 horas depois de ter passado pelo momento mais doloroso de sua vida, ela deu um exemplo de solidariedade.
— Enterrei a minha mãe e vim para cá. Vi pela televisão o que estava acontecendo e percebi que não poderia ficar em casa. Sabia que encontraria pessoas que precisariam de mim. Estou aqui para fazer um acesso venoso, uma massagem cardíaca ou mesmo servir um copo d’água — disse Andreia, com os olhos ainda marejados pela perda.
No fim, desmaio
A atendente de enfermagem Marilia Cristina Silva Afonso também se revelou uma heroína. Perdeu a conta de quantas vezes subiu até o terceiro andar do hospital e desceu até a calçada. Em todas, ajudava a carregar alguém, e só parou quando conseguiu colocar o último paciente do seu setor dentro de uma ambulância. Inalou muita fumaça, e acabou desmaiando. Ontem, estava internada no Hospital Israelita Albert Sabin, na Tijuca.
— Tinha acabado de chegar ao serviço quando o incêndio começou. Eu e meus colegas fizemos um pouco de tudo. Jogamos colchões pelas janelas, levamos pacientes para fora, buscamos equipamentos e remédios para estabilizar os pacientes. A gente botou na cabeça que não deixaria ninguém para trás — contou Marilia, que foi às lágrimas quando recobrou a consciência e reencontrou o marido e as duas filhas.
A ajuda apareceu de várias formas. Fernando Ferry, diretor do Hospital Universitário Gaffrée Guinle, na Tijuca, deu sua contribuição dirigindo uma ambulância.
—Temos duas ambulâncias CTI, mas, como só havia um motorista, assumi o volante da outra — contou Ferry, que levou pacientes para o Hospital Municipal Souza Aguiar, no Centro. Darci Martins Neto, um dos proprietários da creche Criando com Arte, que fica perto do hospital, também se emocionou. Quando soube do incêndio, ele levou as oito crianças que estavam no local para o andar superior, liberando o térreo para o socorro de pacientes. Enquanto cerca de 50 pacientes eram acomodados em colchões espalhados pelo chão e cadeiras, uma rede de solidariedade ganhou forma.
— Vizinhos apareceram com água, alimentos, remédios... Os pais que vieram buscar seus filhos resolveram ficar e também ajudar. Foi lindo ver este lugar, sem pre tão alegre, ser tomado por tanto amor — disse Darci.
O cumprimento do dever também teve doses de heroísmo. O cirurgião plástico Eric Frederik auxiliava uma operação quando soube, às 17h45m, que o hospital estava pegando fogo. Em seguida, ajudou a salvar vários pacientes que estavam sedados. Ele lembrou que eram necessárias seis pessoas para carregar cada um até o térreo:
— O mais difícil era manter a ventilação mecânica descendo os pacientes pela escada. Fiquei feliz por poder chegar em casa e abraçar meus filhos, por saber que