Título: Prece pelo futuro da Igreja
Autor: Sheila Machado
Fonte: Jornal do Brasil, 17/04/2005, Internacional, p. A7

Escolha do novo pontífice supera critérios políticos. Em ritos eclesiásticos, cardeais pedem inspiração ao Espírito Santo

Depois do período de novendiali, os nove dias de orações pedindo inspiração ao Espírito Santo para fazer a escolha mais apropriada para a Igreja Católica, 115 cardeais começam amanhã a votar no próximo papa. Mas como sugerem os dias de prece, o pleito não é como os outros, está imbuído de rituais religiosos. Afinal, aquele que os prelados vão eleger, diz a tradição, é o representante de Deus na Terra. Para fechar o novendiali, a basílica de São Pedro abriga, amanhã de manhã, a missa Pro Eligendo Papa, ou ¿para eleger o papa¿, celebrada pelo cardeal alemão Joseph Ratzinger. Nela, fiéis e prelados ¿ com seus mantos escarlates e crucifixos peitorais ¿ vão pedir mais uma vez iluminação divina para o conclave.

¿ Nesta missa pública, cada cardeal vai procurar as respostas em seu íntimo, baseando-se em critérios evangélicos. Eles vão pedir também que todo o conclave seja conduzido em clima de paz e oração ¿ explica ao JB o teólogo Paulo Fernando Carneiro, decano da Pontifícia Universidade Católica do Rio.

As respostas devem se referir às questões propostas nos sínodos realizados na semana passada, nos quais discutiu-se os desafios atuais e futuros da Igreja, a evangelização dos fiéis e qual perfil de líder seria o mais apropriado para enfrentar a missão de suceder João Paulo II à frente da Santa Sé.

A missa na basílica será a última aparição pública dos prelados, até que o novo papa seja eleito. Amanhã à tarde, os 115 cardeais com menos de 80 anos ¿ ao mesmo tempo eleitores e candidatos ao trono de São Pedro ¿ se reúnem na Capela Paulina e, cantando o hino em latim Veni Creator, se dirigem para a Capela Sistina, local das votações. Lá, sob a obra-prima de Michelangelo, ¿A Criação¿, cada cardeal coloca a mão sobre a Bíblia e jura ¿com a máxima fidelidade¿ nunca revelar os detalhes do conclave. Quem descumprir, recebe a sanção absoluta: a excomunhão.

Mais uma oração é oferecida em favor das qualidades do próximo papa e da superação dos desafios da Igreja. Em latim, o camerlengo grita ¿Extra omnes¿ e todos, exceto os prelados, deixam a sala. A votação começa.

¿ Durante o conclave, não há espaço formal para discussão. Os debates em torno do perfil do pontífice já ocorreram nos sínodos. A missão é votar e se não houver os dois terços de votos requeridos para a eleição, devem continuar votando, até quatro vezes por dia. Mas a rotina de prece se mantém, invocando a ajuda do Espírito Santo para chegar a um consenso ¿ revela o padre José Oscar Beozzo, também teólogo. No entanto, ele lembra que nas horas vagas, como o almoço ou à noite, os cardeais podem conversar sobre o que quiserem, inclusive candidatos.

Apenas uma votação é esperada para amanhã. Cada cardeal escreve seu eleito em um papel onde lê-se ¿Eligo in summen pontificem¿ ou ¿eu elejo o sumo pontífice¿. Ao se aproximar do altar onde fica a urna oval, ele deve proclamar a seguinte frase: ¿Chamo a testemunho Cristo Senhor, que será meu juiz, de que o meu voto foi dado àquele que, segundo Deus, creio que deva ser eleito¿.

¿ Apesar de a cédula ser secreta, supõe-se que ninguém vote em si mesmo. A razão é que este não é um pleito apenas político ¿ diz Paulo Fernando.

O sacerdote Enrique Colom, professor de Teologia Moral em Roma, explica ainda que se os cardeais não tiverem chegado a um consenso em três dias de conclave, o processo é suspenso por um dia, no máximo, ¿a fim de haver uma pausa para prece, conversa livre entre os votantes e uma breve exortação espiritual¿.

¿ Se necessária, esta pausa se repete, no sétimo dia de escrutínio ¿ acrescenta.

Nenhum conclave do século passado durou mais do que cinco dias. A eleição de João Paulo II demorou três e teve oito escrutínios. Acredita-se que ainda esta semana os católicos conhecerão o novo líder. A primeira palavra que o papa pronuncia no novo cargo é ¿accepto¿, ou ¿aceito¿, em latim. Então, é levado para uma sala, onde veste o traje papal. Desta vez, além da fumaça branca, a eleição do pontífice será proclamada com o soar dos sinos da basílica de São Pedro. O cardeal mais velho do colégio chega à sacada e faz um breve pronunciamento, que termina com ¿Habemus papam¿ ¿ ¿temos um papa¿. E então, o eleito de Deus e dos cardeais aparece na janela, para saudar seu rebanho.