O Globo, n.31.575, 18/01/2020. Editorial. p.02

O inconcebível discurso nazista do secretário

 

O secretário especial de Cultura, Roberto Alvim, não resistiu muito mais que 24 horas no cargo depois de postar vídeo em que apresenta o “Prêmio Nacional das Artes” não apenas ecoando Joseph Goebbels, chefe da publicidade e propaganda de Hitler, mas mencionando palavras e formulações do próprio chefe nazista, na defesa de uma arte nacionalista, “imperativa”, “heroica”, acompanhado por uma trilha sonora com a ópera “Lohengrin”, de Richard Wagner, compositor alemão de música erudita, ícone no III Reich.

Foi demitido ontem, depois da grande e necessária reação na imprensa profissional, tão menosprezada e atacada pelo governo. Os presidentes da Câmara e Senado, Rodrigo Maia e Davi Alcolumbre, pronunciaram-se pedindo a demissão do secretário. O presidente do Supremo, Dias Toffoli, se referiu à ofensa à comunidade judaica. O vídeo chegou ao exterior, e a embaixada da Alemanha registrou em nota que o nazismo se constituiu o “capítulo mais sombrio da história alemã”. Foi animadora a reação de vigor na defesa de limites que não podem ser ultrapassados no estado democrático de direito. Mas a demissão não esgota o assunto, ao contrário, o revigora.

Há uma tentativa no meio bolsonarista de considerar que Alvim não está “bem da cabeça”. Maneira de até tentar-se amenizar — sem êxito — o ataque que ele, como diretor do Centro de Artes Cênicas da Funarte, fez em setembro à atriz Fernanda Montenegro. Ali já era caso de demissão. À época, a Secretaria — na verdade, o antigo Ministério da Cultura — estava subordinada à pasta da Cidadania, de Osmar Terra. Depois foi rebaixada para a de Turismo, sob a guarda de Marcelo Álvaro Antônio, investigado por haver semeado um laranjal no PSL mineiro para desviar dinheiro do Fundo Eleitoral. A extrema direita no poder relega a área de cultura por considerá-la controlada pela esquerda. E assim aquela produção cultural e artística que depende de recursos do Estado, como acontece em todo o mundo, vai minguando, sem formar, sem desenvolver artistas e sem preservar a cultura nacional que o bolso na ris mo tanto diz querer proteger. O próprio prêmio apresentando por Alvim ao som de Wagner e comum discurso nazistas erá usado, percebe-se, com vieses, inclusive de uma visão religiosa que não cabe em um Estado republicano, laico por definição. Este us odo dinheiro público—liberando-o ou retendo-o—para manipulara produção cultural e artística ocorre desde o início do governo.

Nada muito diferente do que aconteceu no lulo petismo. Masa intensidade com que ocorre chama a atenção. Roberto Alvim exagerou mais um aveze caiu. O governo e as diretrizes oficiais continuam os mesmos. O surto de nazismo explícito de Roberto Alvim funciona par atestara sensibilidade de instituições e da sociedade para detectar o inadmissível. Teste positivo.