Título: China e Índia esboçam um novo eixo
Autor: Joseph Nye
Fonte: Jornal do Brasil, 17/04/2005, Internacional, p. A11
O novo alinhamento entre Índia e China seria capaz de contrabalançar o poder global dos Estados Unidos? O premier chinês, Wen Jiabao, acabou de completar sua visita de quatro dias à Índia, durante a qual 11 acordos foram assinados, incluindo um, compreensível, que estabelece um pacto de cinco anos de cooperação estratégica. Além disso, Wen anunciou que a China poderia apoiar a pretensão da Índia por um assento permanente no Conselho de Segurança das Nações Unidas ampliado e se opôs à entrada do Japão, que os EUA apóiam para obter também uma vaga. Com quase um terço da população mundial e duas das maiores taxas de crescimento econômicas, uma aliança China-Índia pode ser um sério fator na política mundial. Enquanto ambos são países em desenvolvimento ¿ nos quais muita gente continua na pobreza ¿ também impulsionam capacidades impressionantes em tecnologias da era da informação, tanto para fins civis quanto militares. Como o primeiro-ministro indiano, Manmohan Singh, afirmou na visita de Wen, ¿Índia e China juntos podem redesenhar o poder no mundo¿.
A recente reaproximação dos dois gigantes marca uma forte mudança do clima de hostilidade que envenenou as relações depois da guerra travada em 1962 pela região de fronteira nos Himalaias. Quando estive na Índia como autoridade do governo americano no fim dos anos 70, fiquei impressionado com a fixação dos meus anfitriões em obter igual status ante a China. Em 1998, quando Nova Délhi testou suas armas nucleares, o ministro da Defesa citou a China e o premier Atal Bihari Vajpayee se referiu ao país como o ¿inimigo número 1¿. Em um contraste, em visitas mais recentes à Índia, reencontrei meus anfitriões se referindo à necessidade de aprender com a China.
O comércio entre os dois gigantes cresceu de US$ 100 milhões em 1994 para quase US$ 14 bilhões, no ano passado, e o ministro indiano de Comércio e Indústria previu que o valor deve dobrar até o fim da década. Um dos acordos assinados na visita de Wen foi um novo conjunto de princípios sobre como resolver disputas de fronteiras entre os dois países.
Enquanto melhorar as relações e reduzir possibilidades de conflito é algo bem recebido, essas mesmas relações entre Índia e China são mais complexas do que aparentam a princípio. Não muito tempo antes da visita do premier chinês, a Índia recebeu a secretária de Estado dos Estados Unidos, Condoleezza Rice. Desde a ida do presidente Bill Clinton, mas especialmente no mandato do presidente George Bush, os EUA passaram de uma relativa indiferença para com Nova Délhi a um forte relacionamento estratégico.
Essa nova abordagem pode ter sido acelerada pela ameaça surgida com os ataques da Al Qaeda à América, que conduziram a um fortalecimento das relações americanas com o Paquistão do general Pervez Musharraf. Mas Washington assegurara aos indianos que ambos enfrentam a ameaça comum do terrorismo internacional, e que o conflito nos moldes da Guerra Fria entre Índia e Paquistão estão mais do que ultrapassados.
A secretária Rice delineou esse plano durante sua viagem no mês passado, reforçando a importância do relacionamento estratégico, incluindo uma vaga proposta de estudo para considerar a venda de alta tecnologia, de energia nuclear e de co-produção de caças avançados como os F-16 e os F-18 Hornet. Pouco depois da visita à região, a Casa Branca anunciou que honraria a antiga promessa de vender os F-16 aos paquistaneses.
Enquanto o anúncio gerou protestos na Índia, estes foram relativamente menores do que ocorria no passado. Uma razão seria a de que o Departamento de Estado também divulgou comunicado no qual afirmava que Washington poderia ajudar a Índia a se tornar um poder maior no século 21, uma iniciativa que envolveria tanto o diálogo econômico quanto o estratégico. Vários fatores sustentam essa nova atitude americana em relação à Índia. A retórica sobre ¿as duas maiores democracias do mundo¿ não é nova, mas se encaixa perfeitamente à ênfase do governo Bush em promover a democracia.
O papel da diáspora indiana nos EUA, particularmente nas indústrias de informação, também teve influência na mudança. Isso ocorreu em função do fato de que o crescimento do comércio bilateral seguiu o da própria economia da Índia. Igualmente importante são as preocupações estratégicas sobre terrorismo transnacional e o crescimento do poder chinês.
Este último é o maior fator na política do século 21. Pequim triplicou o tamanho de sua economia nas últimas duas décadas e vem reforçando continuamente seu poder militar. Enquanto ambos, Índia e EUA, procuram comercializar e manter boas relações com a China, estão, igualmente, cientes e preocupados com o crescimento do poderio chinês.
Assim, ambos procuram, ainda, reforçar as próprias posições, e qual seria a melhor forma se não a partir de um melhor relacionamento estratégico? Nenhum dos dois países imagina enfrentar a China pela estratégia da ¿contenção¿ aplicada sobre a agressiva União Soviética durante a Guerra Fria. Mas Índia e Estados Unidos precisam criar uma estrutura internacional que não facilite a Pequim ampliar de peso ao redor do mundo.
A Índia tem 3 mil km de fronteiras com a China e 2 mil km com o Paquistão (que tem sido o beneficiário da assistência militar e nuclear de Pequim). Também se preocupa com a segurança das rotas marítimas no Oceano Índico por onde passa o comércio e o suprimento de petróleo. Um estrategista indiano me disse durante uma visita recente que ¿em 2030 se vislumbra os Estados Unidos, a China e a Índia como os três maiores poderes no mundo. Não queremos um mundo dominado pelos EUA ou pelos chineses, mas se tivermos de escolher, será mais fácil que optemos viver mais próximos dos segundos¿.
Então, enquanto a melhoria das relações Índia-China é bem recebida, não é provável que surja uma aliança de ambos contra os EUA. Em vez disso, é mais provável que represente outro movimento na forma tradicional e histórica da Índia de lidar com o balanço regional de poder.