O Globo, n. 31449, 14/09/2019. Economia, p. 24

Guedes: Bolsonaro pediu para CPMF ficar de fora
Pedro Capetti


O ministro da Economia, Paulo Guedes, afirmou ontem que o presidente Jair Bolsonaro telefonou para ele do hospital para dizer que não quer a criação de uma nova CPMF na reforma tributária. — Estávamos simulando um imposto de transação financeira, só que o presidente sempre foi contra esse imposto e pediu para não colocar — disse Guedes em entrevista a correspondentes estrangeiros no Rio de Janeiro. Ele confirmou que a equipe econômica trabalhava com uma alíquota de 0,4% para o tributo sobre pagamentos, mas, mostrando irritação, afirmou que os números não deveriam ter sido levados a público.

Revisão do IR

Segundo Guedes, o ex-secretário especial da Receita Federal, Marcos Cintra, exonerado esta semana, já havia pedido para deixar o cargo “inúmeras vezes” por achar que estava atrapalhando o governo:

— Eu dizia: se você tiver que cair um dia, que caia junto com o imposto. Guedes explicou que a proposta de reforma tributária que será enviada ao Congresso vai se apoiar em três pilares: um IVA (Imposto sobre Valor Adicionado) dual, a revisão das faixas do Imposto de Renda (IR) e a desoneração da folha de pagamento.

Sobre o IVA dual, que substituirá impostos federais, o ministro disse que este vai permitir a adesão voluntária de estados e municípios.

Ao ser perguntado mais uma vez sobre a CPMF, o ministro disse que não falaria mais sobre o assunto: — Eu não falei sobre isso. Quem falou sobre isso da última vez foi demitido. Na segunda-feira, porém, o ministro afirmou, em entrevista ao jornal Valor Econômico que a nova CPMF, que ele chamou de Imposto sobre Transações Financeiras (ITF), poderia arrecadar até R$ 150 bilhões. Ele disse ainda que o imposto era “feio, chato, mas arrecadou bem e por isso durou 13 anos”.

Ontem, Guedes afirmou que, com o avanço das reformas, há chance de o Produto Interno Bruto (PIB) do país crescer até 2,5% em 2020: — Quem fez o Orçamento do ano passado foi o outro governo, eles botaram (crescimento de) 2,5%, e eu sabia que não ia ser 2,5% porque não fizemos as reformas. Agora, sim, fizemos as reformas e quem sabe ano que vem vai ser 2,5% — afirmou. — Nós sabemos que o primeiro ano seria difícil, o segundo deve ser um melhor, graças às reformas.

Para este ano, o ministro diz não ter certeza se o crescimento será de 0,8% ou 1%. Economistas projetam expansão de 0,87% este ano e de 2,07% em 2020, segundo o último relatório Focus, do Banco Central, com estimativas do mercado. Guedes ainda classificou de falsa a informação de que Bolsonaro quer derrubar a regra do teto de gastos: — Bolsonaro está 100% fechado comigo no teto de gastos — afirmou.

No início do mês, Bolsonaro defendeu a preservação do teto de gastos, afirmando que ceder nessa questão seria “abrir uma rachadura no casco do transatlântico”. 

Guedes afirmou ainda que planeja criar, em 2020, um fast track (sistema de aceleração dos processos) para avançar na privatização de estatais.

Segundo ele, a meta de privatização deste ano, estimada em R$ 80 bilhões, foi praticamente alcançada com a venda de subsidiárias da Petrobras, como a Transportadora Associada de Gás (TAG) e a BR. Um movimento mais amplo deve ocorrer no ano que vem, estima o ministro:

— Nossa meta, de R$ 80 bilhões, foi praticamente atingida antes do fim do ano, com BR Distribuidora e outras pequenas desestatizações. As maiores vamos avançar no ano que vem, vamos criar um fast track para as privatizações.

Guedes destacou ainda as medidas realizadas pelo governo para abrir o mercado de gás natural no país, como a diminuição do papel da Petrobras no mercado e a criação do Comitê de Monitoramento da Abertura do Mercado de Gás Natural. Ele estima que, em um ano e meio, o Brasil consiga reindustrializar sua estrutura produtiva, em cima da energia barata.

O ministro confirmou que deve encaminhar, nas próximas duas semanas, uma nova medida provisória (MP) do saneamento básico, a fim de flexibilizar o investimento privado na área. Segundo Guedes, o objetivo é reduzir as desigualdades entre regiões e as taxas de mortalidade, tendo em vista a falta de recursos estatais.

‘Dançamos com os dois’

Guedes falou também da Argentina, que terá eleições presidenciais em outubro e onde a oposição lidera as pesquisas. Ele defende que o país vizinho se mantenha aberto aos negócios. Sobre a guerra comercial entre Estados Unidos e China, disse que o Brasil continuará negociando com ambos. — Você quer que eu diga que vou dançar com uma e brigar com outro? Nós dançamos com os dois, com Argentina, europeus, chineses.