Título: 'A oposição não tem voz na política'
Autor: Arthur Ituassu
Fonte: Jornal do Brasil, 17/04/2005, Internacional, p. A12
A professora Farzana Gul Taj, de etnia pashtun, venceu as barreiras que muitas vezes sociedades fortemente influenciadas pelo Islã criam à participação social das mulheres. Farzana nasceu no vale de Swat, na província da Fronteira Noroeste, perto do Afeganistão. Saiu pela primeira vez da região para passar dois anos com a família no Iraque. Mais tarde, deixou a região onde nasceu para fazer o mestrado em História na Universidade de Peshawar, a maior cidade da Fronteira Noroeste. Na mesma universidade, lecionou por um ano, até resolver fazer outro mestrado, desta vez em Filosofia, na Universidade Quaid-i-Azam, em Islamabad. Mesmo depois de muitas tentativas, de parentes e amigos, de dissuadi-la do contrário, Farzana esteve nos Estados Unidos, no ano passado, por quatro meses, como pesquisadora Fulbright na Universidade da Carolina do Sul, em Columbia, com uma bolsa do Departamento de Estado americano. A professora trabalha na sua região como ativista dos direitos da mulher.
- Como a senhora avalia a situação atual do presidente Pervez Musharraf?
- Pervez Musharraf tem muitos problemas. Ele não só é presidente do país como também é o chefe do Exército. O acúmulo dos cargos fere a Constituição do país. Musharraf é um ditador e tem concentrado todos os poderes em suas mãos. Isso é uma violação clara da Constituição paquistanesa.
- Que conseqüências a ilegalidade pode ter para a estabilidade política do país?
- Todos os partidos políticos, incluindo o MMA [Muttahida Majlis Amal - agrupamento dos 11 maiores partidos islâmicos paquistaneses], estão unidos no sentido de derrubar esta ditadura militar e restaurar o poder civil no Paquistão.
- Civil? O MMA não é um conglomerado anti-secular?
- O MMA é contra a ocidentalização do país. É contra a idéia de subjulgar o país às potências ocidentais. Afinal, a base política do MMA vem do círculo religioso. Portanto, eles desaprovam qualquer coisa que vá contra os preceitos do Islã. A teoria da ''moderação iluminada'' do general Musharraf é um passo rumo à alienação da sociedade no que diz respeito às raízes islâmicas do país. Para se aliar com os EUA, por exemplo, o presidente vem tomando medidas bastante impopulares contra as populações tribais no Waziristão, fronteira com o Afeganistão e parte da região conhecida como das Áreas Tribais sob controle Federal.
- E o que o governo vem fazendo nessas regiões?
- Os militares paquistaneses estão em conflito com a população local, sob a alegação de que as tribos deram abrigo a membros da Al Qaeda. Todo o tipo de força tem sido usado contra civis inocentes. Esta operação militar contra as tribos está sendo levada à frente há dois anos sem nenhum resultado concreto. Subjugar a população local é simplesmente impossível. Vai totalmente contra a tradição destes povos a possibilidade de uma rendição à qualquer força ou ameaça. De fato, o Waziristão bem como o Baluquistão são as regiões mais pobres do país e assim sempre foram desde a criação do Paquistão, em 1947.
- Então Musharraf está realmente em apuros.
- O Paquistão tem uma longa história de movimentos nacionalistas, como a revolta contra o governo de Ayub Khan, nos anos 1960, ou contra o governo de Ali Bhutto, nos anos 1970, e ainda os protestos contra o regime [do general]Zia-ul Haq [morto em um acidente de avião em agosto de 1985]. Pode-se traçar um paralelo das revoltas anteriores com as atuais contra Musharraf. No entanto, desta vez, o estopim das manifestações está no problema do gás natural, que é extraído da região do Baluquistão para suprir as necessidades de todo o país. Mesmo assim, a área permanece pobre e subdesenvolvida. A oposição local, da região, quer os royalties da extração porque o governo até então fracassou em dar os recursos básicos à população local.
- Islamabad ofereceu alguma solução depois que os protestos no Baluquistão começaram a se tornar mais graves?
- O governo militar procura a solução de todos os problemas pelo uso brutal da força. Nunca tentou resolver as questões genuínas do povo pelos meios apropriados. A população dessas áreas esquecidas e subdesenvolvidas do Waziristão e do Baluquistão querem que Islamabad contemple suas demandas antes de se preocupar em intervir nos assuntos locais, que, de fato, são dirigidos pelos líderes tribais. É injusto que estes povos tenham sido colocados de lado por tanto tempo e que agora sejam alvo de uma intervenção federal que se utiliza da força contra civis.
- E a oposição islâmica?
- O Paquistão surgiu como um país sob a influência da religião islâmica. Qualquer medida que vá contra os preceitos do Islã gera forte resistência entre a população, que tem respondido positivamente aos chamados do MMA por greves e manifestações. Sem dúvida, este é outro problema sério que abala a situação e a estabilidade de Musharraf.
- A oposição não pode usar as instituições para apresentar as demandas políticas?
- Não há instituições democráticas fortes no país. Este é um grande problema, qualquer mudança tem que ser necessariamente levada à frente pela força. No Paquistão, a oposição não tem voz nos assuntos políticos. Quando ninguém ouve as demandas, a oposição tem que ir às ruas. Tem que buscar resolver suas questões pelo poder das ruas.