Título: Farra de gastos
Autor:
Fonte: Jornal do Brasil, 17/04/2005, Opinião, p. A14

Apesar da frieza dos números, certas pesquisas têm a capacidade de revelar, com especial clareza, chagas crônicas enfrentadas pelo país. O inchaço nas prefeituras brasileiras, exposto esta semana pelo IBGE, é um desses notáveis exemplos capazes de explicar boa parte dos complexos problemas que turvam a política e a economia brasileira. Os dados são preocupantes: entre 1999 e 2002, houve aumento de 18% do total de funcionários das prefeituras. Passou-se de um contingente de 3,43 milhões para 4,06 milhões de servidores - a maioria pertencente a municípios que têm entre 20 mil e 100 mil habitantes. No mesmo período, o número de pessoas ocupadas no país cresceu 6,6%. Não há, portanto, similaridades em qualquer indicador de emprego verificado nos três anos analisados pela pesquisa. O notável crescimento é decorrente de uma incômoda tendência da administração pública brasileira: a tradição ''empreguista''. Trata-se de um vírus que se espalha com implacável persistência. Na esfera municipal, a prática tornou-se ainda mais generosa com o crescente processo de descentralização verificado a partir da Constituição de 1988. Houve, desde então, uma excrescente onda de emancipações. Decretou-se a ampliação da parcela dos municípios no bolo da receita pública. Resultado: 1.500 novas cidades. Criadas irresponsavelmente com base em critérios políticos, são aberrações administrativas. Gastam com as câmaras de vereadores e gabinetes de prefeitos o que não arrecadam nos limites geográficos. Alimentam-se financeiramente das transferências recebidas da União e dos estados.

O problema se agravou com o maior volume de atribuições dos municípios - impostas por lei ou transferidas pelo governo federal. Acrescente-se ainda a estagnação econômica das últimas décadas, que transformou as prefeituras nos maiores e, às vezes, nos únicos empregadores nas regiões mais empobrecidas. Os municípios com até 5 mil habitantes, por exemplo, representam um quarto das cidades existentes no país. Respondem, no entanto, por apenas 0,7% da arrecadação própria. É uma combinação incompatível com a realidade fiscal brasileira. Não à toa mais da metade das 5.500 prefeituras não cumpriu no ano passado a Lei de Responsabilidade Fiscal - criada justamente para conter a farra das gestões que sugam verbas para muito além dos limites aceitáveis para as contas públicas. Convém acabar com tamanha anomalia.

O desafio requer, em primeiro lugar, o enterro dos municípios insustentáveis. Mais: é preciso impor limites à criação de cargos políticos de primeiro escalão e postos comissionados, nos quais prevalece a indicação sem freios e, conseqüentemente, perdulária. Outra tarefa inadiável é o redimensionamento dos gastos públicos brasileiros. Somente assim será possível imaginar, por exemplo, o alívio da pesada carga tributária. Esta não surge à toa. Decorre da imensidão de contas assumidas pelo Estado que não dizem respeito a investimentos públicos propriamente ditos. Despesas com pessoal, previdência, manutenção de órgãos e demais gorduras engessam a União, estados e municípios. Quem paga a conta são as empresas e os cidadãos, por meio de altos impostos, enquanto assistem, incomodados, à farra de empregos e gastos promovida com dinheiro público.