O Globo, n. 31446, 11/09/2019. País, p. 14

Assassinatos caem 10,4%, mas letalidade policial cresce
Guilherme Caetano
Ana Letícia Leão


Em 2018, o Brasil registrou queda de 10,4% nos assassinatos, na comparação com o ano anterior, enquanto a letalidade policial subiu 19,6% e os óbitos decorrentes de ações de agentes de segurança pública passaram a representar uma em cada dez mortes violentas contabilizadas no país. É o que aponta o 13º Anuário Brasileiro de Segurança Pública, divulgado ontem, que compila dados de secretarias estaduais de segurança.

Após chegar a 64.021 em 2017, o total de mortes violentas intencionais (MVI) caiu para 57.341 no ano passado. A categoria compreende homicídios dolosos, latrocínios e lesões corporais seguidas de morte. A maioria dos estados brasileiros teve queda no índice. As exceções foram Amapá, Roraima, Tocantins e Pará. O caso mais surpreendente é o do Amapá, que teve apenas 26 casos de mortes violentas intencionais em 2011, mas viu o número subir para 480 no ano passado, o que significa um crescimento de 1.423%.

— O número (de homicídios) não é baixo. Nos coloca entre as nações mais violentas do mundo — ressalta Renato Sérgio de Lima, diretor presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, instituição responsável pelo relatório, acrescentando: — O fenômeno não pode ser visto como pontual a partir do ano passado. É algo acumulado. São várias as hipóteses, desde a acomodação da dinâmica do crime organizado em torno das rotas internacionais, das disputas por territórios, políticas públicas de caráter local, até mesmo aspectos sociodemográficos.

Guaracy Mingardi, integrante do Fórum, também destaca a dificuldade de determinar as causas da queda de mortes violentas:

— Tem uma parcela dessa redução da violência que é ligada à diminuição do conflito entre facções. O número de pessoas mortas por facções diminuiu, e é claro que isso reflete no índice. Porém, não é causa única, pois há estados em que essa guerra não aconteceu, casos em que há monopólio de um grupo — afirma o pesquisador.

A queda de assassinatos apontada pelo relatório é semelhante à detectada nos dados do Ministério da Justiça e Segurança Pública. Segundo a pasta, houve 13% menos mortes violentas em 2018 em relação a 2017 — ano com maior número de casos de assassinatos no país da série histórica.

Já as mortes causadas por intervenção policial subiram de 5,1 mil para 6,2 mil, entre 2017 e 2018. No mesmo período, o número de policias civis e militares mortos passou de 373 para 343, o que indica queda de 8%.

Alguns estados tiveram alto crescimento no último ano nos casos de mortes por policias, com destaque para Roraima, onde houve crescimento de 183,3%. Em seguida estão Tocantins (99,4%), Mato Grosso (74%), Pará (72,9%), Sergipe (60,7%), Goiás (57,1%), Ceará (39%) e Rio de Janeiro (32,6%).

— A gente não pode ter vergonha de dizer que a polícia pode fazer o uso letal da força, mas também (não pode ter vergonha) de se questionar se essa era a melhor saída — defende Renato Sérgio de Lima, do Fórum.

A série histórica indica crescimento paulatino das mortes decorrentes de intervenção policial no país nos últimos anos. Em 2013, foram registrados 2,2 mil casos. O Fórum Brasileiro de Segurança Pública destaca, porém, que as estatísticas se tornaram mais confiáveis a partir de 2016.

Taxa preocupante

As mortes por policiais representam 11% do total de assassinatos ocorridos no país em 2018. Os estados do Rio e de São Paulo têm proporcionalmente os maiores patamares: representam, respectivamente, 22,8% e 19,7% das mortes violentas. Como mostrou O GLOBO em agosto, as taxas se igualam às de países como Venezuela (com proporção de 25,8%) e El Salvador (10,3%). Integrantes do Fórum afirmam que o “dado preocupa” e que, quando essa porcentagem excede 10%, há indícios de execuções e uso abusivo da força pelas polícias.

O anuário também aponta que a aquisição de novas armas no Brasil aumentou 42% em 2018, para 196.733. Em 2017, 138.132 equipamentos foram comprados no país. Sergipe é o estado que encabeça o ranking, com 36.223 novas armas.