O Globo, n. 31446, 11/09/2019. Economia, p. 25

Decisão do STF põe em risco R$ 56 bi para o Rio
Rennan Setti  
Carolina Brígido


Um julgamento marcado para novembro no Supremo Tribunal Federal (STF) definirá o futuro das finanças do Rio. O plenário da Corte vai decidir sobre a validade deu malei que altera a distribuição de royalties do petróleo, reduzindo a arrecadação de regiões produtoras. Para especialistas ouvidos pelo GLOBO, a lei é inconstitucional. Caso entre em vigor, o Estado do Rio e seus municípios perderão R$ 56,2 bilhões entre 2020 e 2023, segundo estimativas da Agência Nacional do Petróleo (ANP), inviabilizando seus orçamentos.

A chamada Lei dos Royalties reduz de 26,25% para 20% a fatia das compensações pagas pela indústria do petróleo destinada a estados produtores, que também passariam a ficar só com 20% das participações especiais (PEs), metade do que arrecadam hoje. Entre os municípios produtores, o percentual dos royalties despencaria de 26,25% para apenas 4% e o de PEs, de 10% para 4%. Esses recursos passariam a ser distribuídos por todos estados e municípios, e não apenas os produtores. No caso de Maricá, na Região dos Lagos, a queda nas receitas chegaria a 69%.

Aprovada em 2012 no Congresso, a lei foi suspensa no ano seguinte pela ministra Cármen Lúcia, do STF, que concedeu liminar a uma Ação Direta de Inconstitucionalidade ( Adin) apresentada pelo governo do Rio. Ela entendeu que, se entrasse em vigor, a lei provocaria um impacto financeiro profundo nos cofres de estados e prefeituras e também afetaria o equilíbrio federativo. Seis anos depois, no dia 20 de novembro, o plenário da Corte julgará o mérito da ação.

Segundo o deputado federal Christino Áureo (PP-RJ), presidente da Frente Parlamentar do Petróleo, são dois os principais argumentos contra a lei. Ele observou que o artigo 20 da Constituição deixa claro que as chamadas participações governamentais, como royalties e PEs, estão diretamente ligadas aos territórios onde a atividade econômica ocorre. O segundo argumento é o fato de a Constituição prever que os royalties também sirvam de compensação a estados produtores pelo fato de o ICMS dos combustíveis ser cobrado no lugar onde ele é consumido, e não onde é produzido, como acontece com todos os outros produtos.

Risco de ‘colapso’

Nota técnica da Secretaria de Fazenda do Rio elaborada no fim de agosto mostra como os royalties compensam a perda de arrecadação do estado com o ICMS sobre os combustíveis, produzidos a partir do petróleo. Entre 2012 e 2023, os técnicos calculam uma perda acumulada de R $127,1 bilhões como tributo. Descontando-se o valor dos royalties, a “sobra” seria de apenas R$ 8 bilhões. Mas, se a Lei dos Royalties estivesse em vigor nesses 12 anos, a conta ficaria negativa em R$ 32,7 bilhões.

— A lei é constitucionalmente frágil tanto do ponto de vista da indenização ao território produtor como da compensação prevista no pacto federativo. Quando a lei tenta abandonar o caráter local dos royalties, isso seria equivalente a outros países da América Latina exigirem royalties pelo nosso petróleo — diz Áureo.

Karine Fragoso, gerente de Petróleo da Firjan, pondera que, em todo o mundo, entende-se também que esses recursos ordinários os precisam ter destinação local para permitir que a região produtora adapte sua infraestrutura ao impacto econômico e social da exploração. Ela cita como exemplo Rio das Ostras, outro grande produtor da Região dos Lagos, cuja população cresceu 1.485% entre 1970 e 2010, enquanto a população do país avançou 105%.

— Com a grande presença de pré-sal nas bacias de Campos e Santos, o Rio será um agente fundamental para que se cumpra a meta de dobrar a produção de petróleo do país, mas temos que preparar nossa infraestrutura e serviços públicos. Os royalties servem para isso — disse Karine. — O Rio não pode sequer pensar na possibilidade de não ter acesso a esses recursos. Do contrário, o destino é a falência.

Em entrevista ao jornal Extra no domingo, o secretário de Fazenda do Rio, Luiz Claudio de Carvalho, disse que, se a lei for validada pelo STF, “o estado entra em colapso no dia seguinte”. Isso porque o Rio está no Regime de Recuperação Fiscal (RRF) desde 2017, sendo incapaz de arcar com suas próprias dívidas. Segundo levantamento da Fazenda estadual, se a Lei dos Royalties estivesse em vigor em 2018, as despesas obrigatórias do Estado saltariam de 99% para 109% da receita corrente, inviabilizando a máquina pública.

Em caso de validação da lei pelo STF, a situação poderia ser ainda pior se os outros estados entrassem com processos exigindo pagamento de royalties retroativos desde sua aprovação no Congresso, em 2012. Só no Estado do Rio, o valor devido seria de R $21,9 bilhões.

— Uma decisão como essa deixaria o Rio na fila da esmola, quando é um estado com potencial de arrecadação extraordinário — disse Áureo.

Em artigo publicado ontem no GLOBO, Gustavo Binenbojm, professor de Direito da Uerj, mostrou que, embora tenha o potencial de inviabilizar as finanças do Rio, a lei traria benefícios desprezíveis para estados não produtores. Segundo anotada Fazenda, o incremento em receitas para outros estados ficaria entre 0,2% e 6,2%. “É um típico exemplo populista de medida “perde-perde”: os entes produtores têm tudo a perder, e os não produtores, nada significativo a ganhar”, escreveu Binenbojm.

Embora seja cedo para aponta ruma tendência na Corte, ministros sinalizam, em caráter reservado, que votarão para manter a liminar de Cármen Lúcia, mantendo a regra atual.

— Além de a lei ser inconstitucional, o contexto mudou desde 2012. A cotação do petróleo está em um nível menor, o que reduz o ímpeto de estados não produtores por essa receita. Desde então, coma crise, as consequências da redução dos royalties para o Rio ficaram muito claras. A discussão amadureceu — afirmou Giovani Loss, sócio de Óleo e Gás do Mattos Filho.

— É uma ação que pode quebrar o Rio. Acho difícil que os ministros tenham esse descompromisso com o segundo maior estado do país.