O Globo, n. 31495, 30/10/2019. Mundo, p. 28

‘Todo mundo gostaria de passar uma tarde com um príncipe'

Maiá Menezes


O presidente Jair Bolsonaro jantou na noite de segunda-feira com o príncipe herdeiro da Arábia Saudita, Mohammed bin Salman, governante de fato da monarquia do Golfo Pérsico. Segundo o presidente, “a reunião muito boa e descontraída” teria continuidade na tarde desta terça-feira (manhã de terça-feira, no horário de Brasília).

—Temos uma reunião de negócios hoje à tarde. Todo mundo gostaria de passar uma tarde com um príncipe. Especialmente vocês mulheres, né? —disse o presidente dirigindo-se às jornalistas que cobrem a visita.

—Tenho uma certa afinidade com o príncipe. Em especial depois do encontro em Osaka.

Ele se referia à reunião dos dois na última cúpula do G-20 (grupo das 20 maiores economias do mundo), em junho, no Japão.

Bin Salman foi apontado por peritos nomeados pelo Conselho de Direitos Humanos da ONU como suspeito de ordenar o assassinato do jornalista saudita dissidente Jamal Khashoggi, visto pela última vez com vida entrando no consulado saudita em Istambul, em outubro de 2018. Seu corpo foi esquartejado e removido do prédio e seus restos mortais não foram encontrados.

Elogios à roupa feminina

Em junho, a ONU divulgou um relatório em que diz ter encontrado “provas confiáveis” do envolvimento do príncipe herdeiro na morte do colunista do Washington Post, classificando o crime como um “um assassinato extrajudicial pelo qual o Estado da Arábia Saudita é responsável sob a lei internacional dos direitos humanos”.

Na véspera, Bolsonaro elogiou as mulheres repórteres que o acompanham na viagem por usarem a abaya, traje obrigatório na Árabia Saudita que consiste em uma longa túnica de mangas compridas que cobre todo o corpo, com exceção de rosto, pés e mãos. No país, vigora uma forma ultraconservadora do islamismo, o wahabismo, que está na origem da ideologia de grupos terroristas como a al-Qaeda e o Estado Islâmico.

Recentemente, as mulheres sauditas obtiveram algumas conquistas, como a permissão para tirar passaporte sem aval do tutor masculino e dirigir. Mas o país ainda é considerado uma das nações que mais limitam os direitos das mulheres. Em julho, no Conselho de Direitos Humanos da ONU, o Brasil pela primeira vez votou com ditaduras árabes , incluindo a saudita, em resoluções sobre direitos sexuais e femininos.

Imagem estilhaçada

O assassinato de Jamal Khashoggi bloqueou a intenção de Bin Salman de se apresentar ao mundo como um reformador, e países como a Alemanha cancelaram a venda de armas à monarquia. Além do caso do jornalista, os sauditas lideram uma coalizão que desde 2015 intervém militarmente no vizinho Iêmen para levar de volta ao poder um governo derrubado pelos rebeldes houthis, aliados do Irã. A intervenção provocou a maior crise humanitária da atualidade.