O Globo, n. 31495, 30/10/2019. Sociedade, p. 30

Dois meses de óleo

Vinicius Sassine
Gabriel Shinohara


A reação do governo federal ao impacto do óleo na costa do Nordeste foi marcada por uma sucessão de falhas, problemas e improvisos, como mostram os registros do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama) sobre o dia a dia da tragédia ambiental que já perdura por dois meses.

Relatórios obtidos pelo Globo revelam uma proibição imposta ao Ibama de comunicar situações de emergência, o que perdurou por ao menos 33 dias; uma recusa da Petrobras em fornecer mais gente para a retirada de óleo; quantidade insuficiente de pessoal para atuação nas áreas atingidas; resgates de animais sem autorização e sem estrutura para reabilitação, além da falta de protocolo para esses resgates; e a ineficácia de barreiras de contenção, entre outras falhas.

As primeiras manchas de petróleo aportaram na costa nordestina em 30 de agosto, na Paraíba. A Marinha recebeu o primeiro comunicado sobre as manchas três dias depois, em 2 de setembro. Somente em 11 de outubro o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, comunicou aos demais ministérios que a Marinha seria a coordenadora do Plano Nacional de Contingência.

Salles fez o comunicado a partir de uma “recomendação” recebida três dias antes do chamado Grupo de Acompanhamento e Avaliação (GAA), formado por Marinha, Ibama e Agência Nacional do Petróleo (ANP). O GAA é o responsável pelas ações que tentam conter o impacto da tragédia ambiental que já atingiu 268 localidades nos nove estados do Nordeste.

Os relatórios do Ibama registram “entraves” nas tentativas de contenção dos efeitos do petróleo. Uma falha é o silêncio imposto pelo Ministério do Meio Ambiente, que impede o Ibama de se comunicar com a imprensa, mesmo em situações de emergência. “Sugerimos rever a desautorização de comunicação com a imprensa em situações emergenciais com vistas a salvar a vida de animais, além de orientar a população sobre a presença de óleo nas praias”, escrevem analistas ambientais em relatório de 2 de outubro.

O mesmo documento registra que “no início do incidente não havia protocolos e procedimentos visando a orientar as equipes do Ibama de como proceder em caso de encontro com animais oleados”. “Nem todos os animais mortos foram recolhidos e encaminhados para necrópsia. Não houve coleta de óleo de todos os animais.”

A Petrobras se recusou a ampliar a quantidade de funcionários na coleta de petróleo em praias do Rio Grande do Norte, apesar do pedido do Ibama por reforço e da previsão de que a estatal será ressarcida. Em uma chamada por telefone em 13 de setembro, técnicos do Ibama comunicaram a estatal sobre a necessidade de um aumento da equipe nas praias na região de Nísia Floresta, diante da “grande quantidade de óleo”.

“Os representantes da Petrobras informaram que não seria possível aumentar o efetivo por eles fornecido por questões contratuais, tendo em vista não se tratar de derrame sob sua responsabilidade, eque apenas o efetivo já destacado (12 pessoas) permaneceria”, registra o documento do Ibama. A empresa sugeriu que o órgão ambiental buscasse reforços nas prefeituras.

Os documentos já mostravam que as equipes do Ibama eram insuficientes. Os relatórios registram ainda falta de equipamentos e de atuação de órgãos municipais e estaduais, além de falta de comando unificado entre Ibama, ANP e Marinha; indefinição sobre como proceder em relação ao destino do petróleo coletado; e dificuldades na coordenação de voluntários e na orientação das prefeituras. Barreiras de contenção em Sergipe foram ineficazes, e institutos fizeram resgate e reabilitação de animais sem autorização e sem estrutura. Conforme os documentos, há uma indefinição sobre como os governos locais serão ressarcidos. O governo de Sergipe, por exemplo, chegou a pedir o bloqueio de R$ 289,6 milhões da União.

‘Ajustes constantes’

Por meio da assessoria de imprensa, o GAA disse que a identificação de “dificuldades” é parte do processo de avaliação das ações, “o que é constantemente ajustado”. “Os itens ‘entraves atuais e futuros’ visam a identificar os obstáculos do período operacional, para serem solucionados nos próximos ciclos”, afirmou o GAA. Sobre o silêncio imposto ao Ibama, o grupo disse que as demandas da imprensa foram respondidas pela assessoria de comunicação do Ministério do Meio Ambiente. Já a recusa da Petrobras em ampliar efetivos “foi resolvida em poucos dias”. A Petrobras disse que colabora de modo ininterrupto, com 500 agentes, 10 mil equipamentos de proteção e 380 toneladas de resíduos recolhidos.

Nos casos de institutos sem autorização para resgate e reabilitação de animais, foram emitidas autorizações especiais durante o período de emergência, segundo o GAA. Os órgãos atuam de forma integrada desde a detecção antecipada de uma falta de organização, conforme a assessoria.

Sobre as barreiras em Sergipe, a instalação ocorreu a pedido do governo local, à revelia da orientação técnica do Ibama, disse o GAA. “O Ibama já realizou treinamentos para voluntários, prefeituras e militares.” O GAA reconheceu que não há “solução sistemática” para o destino do petróleo e disse ter dado orientação sobre o armazenamento temporário. “No início do derramamento, o Ibama não observou muitas ações dos órgãos locais.”

O que dizem os relatórios internos

> 13/9: Ibama tem número reduzido de funcionários para realizar todos os trabalhos de campo e de escritório necessários.

> 13/9: Falta atuação de outros órgãos, principalmente estaduais e municipais.

> 1/10: Institutos fazem resgate e reabilitação de animais sem autorização e sem estrutura para limpeza dos animais.

> 2/10: Laboratório de estudo de organismos marinhos e quelônios não tem estrutura ambulatorial.

> 2/10: Ibama impedido há 33 dias de se comunicar com a imprensa na situação de emergência, comunicação que seria importante para “salvar a vida de animais” e “orientar a população”.

> 2/10: Não há protocolos e procedimentos sobre como proceder com animais banhados pelo óleo. Nem todos os animais foram recolhidos e encaminhados para necrópsia.

> 13/10: Faltam equipamentos, pessoal e envolvimento prático de outras instituições.

> 13/10: Ibama pede organização melhor do comando unificado (que inclui também Marinha e ANP) e ampliação das equipes de monitoramento na Bahia e em Sergipe.

> 15/10: Indefinição sobre ressarcimento a governos locais, o que leva governo de Sergipe a pedir o bloqueio de R$ 289,6 milhões de uma conta única da União. Órgão ambiental local calcula ter gasto R$ 48,2 milhões num mês.