O Globo, n. 31495, 30/10/2019. Sociedade, p. 31

Formação de professores é dominada por alunos na modalidade à distância

Bruno Alfano



A cada três estudantes de Pedagogia no Brasil, dois (65%) fazem o curso à distância. Além disso, todas as licenciaturas da rede privada têm mais alunos estudando pelos computadores e apostilas do que nas salas de aulas — inclusive em Educação Física. Esse é o cenário da formação de professores no país, tema da segunda reportagem da série sobre EaD que o Globo publica desde ontem.

— A situação é preocupante. A EaD precisa ser uma exceção, e não a regra: — avalia Caio Sato, coordenador do núcleo de Inteligência do Todos Pela Educação. — Formar um bom professor é como formar um bom médico ou um bom engenheiro. Precisa de prática.

A posição do especialista, no entanto, não é unanimidade. Diretor de Desenvolvimento Científico da Associação Brasileira de Educação à Distância (Abed), João Mattar afirma que o curso de Pedagogia à distância traz benefícios diferentes ao futuro professor.

— Os cursos presenciais formam pouco o professor para utilizar tecnologia em sala de aula. Na EaD, ele já está sendo preparado para isso pela própria natureza da formação. Além disso, o aluno à distância é mais autônomo porque precisa estudar sozinho e passa isso melhor para os seus futuros estudantes —afirmou Mattar:

— E boa parte dos alunos à distância não conseguiria fazer o curso presencial. Ou porque moram em locais distantes de universidades ou por não conseguirem pagar.

Michelle Felizardo, de 38 anos, é uma dessas professoras que não se formariam sem a possibilidade de estudar à distância. Ela cursou licenciatura em Biologia pela Universidade Estadual do Norte Fluminense (Uenf ), por meio do Cederj no posto de Itaocara, no Noroeste do Estado. A graduação era à distância, mas previa que ela estivesse presencialmente em uma série de aulas práticas.

— Eu moro na zona rural de Laranjais. Para chegar ao polo, precisava andar por três quilômetros e pegar uma carona até o posto, porque eu não tinha dinheiro para o ônibus. Até em ambulância eu já peguei carona —conta.

Sem internet em casa, muito menos computador, ela aprendeu a maior parte do curso pelas apostilas. Hoje passou no concurso e é professora do curso que a formou.

— Na época da faculdade, eu morava com a minha vó e cuidava dela, que tinha Alzheimer. Hoje eu posso dizer que sou rica, em comparação à situação que a gente vivia. Para você ver: o sonho da minha avó era comprar um guarda-roupa. Quando eu ganhei meu salário, fui lá e comprei dois para ela — diz Michelle, que se formou em 2008, passou em três concursos e perdeu a avó há dois anos.

‘Tem que ter vivência’

Nem todos os cursos, no entanto, possuem a exigência de aulas práticas. Valéria Maddi, de 53 anos, faz Pedagogia na Estácio de Sá e gosta do curso. No entanto, as únicas tarefas presenciais que precisa cumprir são provas e três estágios.

— A faculdade não é ruim. O problema é o descrédito pelo valor que eles cobram. A faculdade é desacreditada —defende a moradora da comunidade de Beira-Rio, entre o Recreio e Vargem Grande, que estava há 28 anos sem estudar antes de se matricular:

— Mais pra frente eu acho que vou sentir falta de aulas práticas. Mas o estágio deve compensar, e a faculdade tem um banco de oportunidade que ajuda a encontrar.

Claudia Costin, ex-diretora de Educação do Banco Mundial, também vê com preocupação a proliferação das matrículas de Pedagogia, maior curso EaD do país, com 440 mil alunos.

— A formação do professor tem que ter vivência. Ninguém formaria um médico ou um neuro cirurgião à distância. A lógica é a mesma— afirma Costin. — Idealmente, não poderia ter Pedagogia EaD. No máximo, ter aparte teórica.

Países como Chile, México e Peru proíbem a formação de professores EaD. No Brasil, se discute a obrigação de uma carga horária mínima presencial para os cursos de formação de professores. Ela foi apresentada por Claudia Costin e pelo Todos Pela Educação ao Conselho Nacional de Educação( CNE) na formulação das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação de Professores, texto que definirá oques e espera de um docente recém-formado. Atese ainda não está incluída no documento, que segue na fase de debates e consulta pública.