O Globo, n. 31610, 22/02/2020. País, p. 5

No Ceará, PM's recusam acordo e assassinatos já chegam a 51 em 48 horas



O Ceará viveu uma disparada da violência em 48 horas, em meio ao motim da Polícia Militar do estado. Entre 6h de quarta e 6h de sexta-feira, foram registrados 51 assassinatos, contra uma média de seis por dia no restante do ano. Nas primeiras 24 horas, houve 29 homicídios. As informações são da Secretaria de Segurança Pública do Ceará. Na noite de quinta-feira, os policiais e bombeiros militares recusaram o acordo proposto pelo governador, Camilo Santana (PT) — um aumento dos R$ 3,2 mil atuais para R$ 4,5 mil, parcelado até 2022.

O clima entre os policiais amotinados é de tensão e alerta constante, conforme O GLOBO apurou. No 18º batalhão, no bairro de Antônio Bezerra, na Zona Oeste de Fortaleza, todos os agentes de segurança — homens e mulheres — estavam encapuzados ontem e anteontem. As mulheres dos policiais são as únicas que não escondem a própria identidade.

Ao longo do dia, a principal atividade dos policiais é monitorar as ocorrências em curso e trocar informações com outros batalhões paralisados por meio dos rádios das viaturas. Há medo de uma reação ostensiva por parte da Força Nacional ou das Forças Armadas. Alertas de possíveis ataques à noite circulam pelos rádios da corporação. A preocupação é tanta que, na tarde de anteontem, policiais abordaram um funcionário de uma distribuidora de energia elétrica e fizeram ele explicar o serviço que fazia em um poste nas proximidades do batalhão. Era apenas uma troca de lâmpada, mas os amotinados estavam com receio de que a luz da unidade fosse cortada. O clima de hostilidade é notado principalmente por profissionais da imprensa nacional. Grevistas afirmam que a cobertura dos principais veículos de comunicação do país é desfavorável a eles — o exdeputado federal Cabo Sabino, apontado como líder do movimento, é o responsável por autorizar quem pode ou não tirar fotografias sem ser incomodado. O aval para a cobertura de fotógrafos e repórteres só é concedido caso eles estejam trabalhando para veículos internacionais. As reuniões entre os amotinados são frequentes. Anteontem, durante a tarde, houve tempo reservado para uma oração em grupo e uma conversa com políticos do estado. Um deputado foi aplaudido ao dizer aos grevistas que concorda com as demandas da classe e que levaria o pleito dos policiais ao presidente Jair Bolsonaro. Os agentes responderam aos gritos de “mito” — ao menos dois deles vestiam camisetas de apoio ao presidente. O episódio ocorreu antes de Bolsonaro autorizar uma operação de Garantia da Lei e da Ordem (GLO), com o envio das Forças Armadas.

O governador Camilo Santana descartou ontem entrar com uma ação no Supremo Tribunal Federal (STF) para acabar com o motim. Santana passou a manhã e o início da tarde em visitas a batalhões e quartéis da PM e do Corpo de Bombeiros. Ele dialogou com integrantes das corporações e agradeceu aos agentes que não aderiram ao motim. Em uma das agendas, no Quartel do Comando Geral, o governador esteve acompanhado do comandante da PM cearense, Alexandre Ávila.

— Digo a todos os senhores que confio na Polícia Militar do Ceará e os cearenses confiam em vocês. Esse é um momento de estarmos juntos, unidos para cumprir nosso papel constitucional de defender o povo cearense — disse o governador aos policiais. O secretário da Segurança Pública do Ceará, André Costa, afirmou ao site G1 que parte dos envolvidos no motim já foi identificada. Segundo ele, os policiais deverão responder criminalmente e sofrer sanções administrativas. Costa ressaltou ainda que 261 PMs respondem a inquéritos militares e procedimentos administrativos por envolvimento nos atos e que os agentes não vão receber salário.

Vereador expulso

O Solidariedade decidiu expulsar o vereador Sargento Ailton, da cidade de Sobral, no Ceará, após ele ter sido identificado como um dos líderes do motim de policiais militares no qual o senador Cid Gomes (PDT-CE) foi baleado, na quarta-feira. A decisão foi tomada em conjunto pelo presidente nacional da sigla, Paulinho da Força, e o presidente estadual no Ceará, deputado Genecias Noronha.

“Não compactuamos com ações que violentem e agridem a democracia. O Solidariedade mantém sólidas bases democráticas e não permite que seus filiados tomem frente de ações que podem prejudicar a população. É inadmissível que um membro de nosso partido participe de ações que obriguem comerciantes fecharem suas portas e que acabe em um senador da República baleado”, informou o partido ontem.

Após o incidente com Cid Gomes, Sargento Ailton publicou vídeo em uma rede social no qual dizia que o senador “atentou contra a vida de vários profissionais”: — Se não houvesse um revide para cima, ele (Cid) teria matado duas, três, quatro pessoas ou mais.