Título: Nepotismo e Hipocrisia
Autor:
Fonte: Jornal do Brasil, 17/04/2005, Brasília ? Opinião, p. D2
Após sucessivos adiamentos, a Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados votou enfim o parecer do deputado Sérgio Miranda pela admissibilidade da emenda constitucional que proíbe o nepotismo no serviço público. Abrange Executivo, Legislativo e Judiciário, tendo assim condições de atender a uma exigência do presidente da Câmara, Severino Cavalcanti, que só vê condições de votação em uma proibição que não se resuma a um dos Poderes. De acordo com a emenda, as autoridades ficam proibidas de contratar cônjuges, companheiros, parentes por consangüinidade até segundo grau, parentes por adoção e por afinidade, o que inclui genros, noras e sogros. Deixa-se porém de barrar, por falta de mecanismos eficazes, uma fórmula comum de burlar a opinião pública, a chamada barriga de aluguel - a contratação por uma autoridade do parente de outra, e vice-versa.
Não se tem uma idéia precisa do que acontecerá com a emenda. Primeiro, porque ela terá um longo caminho a percorrer. Deve agora ser constituída uma comissão especial para analisá-la e, a partir daí, contadas as 40 sessões para que se dê parecer sobre o mérito. Depois, virá o esforço para reunir o quórum de três quintos em cada Casa, o que não é tão fácil.
Tudo isso vai gerar um bom período de debates politicamente corretos. Com um problema: há aí fortíssima dose de hipocrisia. É que até as peças de mármore que revestem o prédio do Congresso sabem que a proposta, por bem intencionada que seja, não terá como sustentar=se. Mostra o deputado brasiliense José Roberto Arruda - embora repudiando o nepotismo - que a emenda contraria uma cláusula pétrea da Constituição, o princípio de que todos são iguais perante a lei. Ou seja, não haverá como aprová-la e, se aprovada, o Judiciário a anulará. Trata-se, portanto, de um debate hipócrita, ainda que saudável.
Mais razoável seria encontrar fórmulas que garantam uma superexposição dos casos de nepotismo e confiar na população para que ela faça Justiça. A cada eleição.