Correio Braziliense, n. 21407, 26/10/2021. Política, p. 3
Presidente culpa imprensa
O presidente Jair Bolsonaro disse, ontem, que a relação entre vacinas contra covid-19 e desenvolvimento de HIV, o vírus da Aids (síndrome de imunodeficiência adquirida), foi feita com base em uma notícia da revista Exame, jogando a culpa da sua fala na imprensa, uma "fábrica de fake news", como classificou. Contudo, o presidente não retificou suas declarações.
"Na segunda-feira, a revista Exame fez uma matéria sobre vacina e Aids. Eu repeti essa matéria na minha live. Dois dias depois, a revista Exame falou que eu falei fake news. Foi a própria Exame que falou da relação de HIV e vacina. Eu apenas falei sobre matéria", defendeu-se.
A reportagem a que Bolsonaro se refere foi publicada em outubro de 2020 com o título: "Algumas vacinas contra a covid-19 podem aumentar o risco de HIV?". A matéria afirma que pesquisadores estavam preocupados que algumas vacinas que usam um adenovírus específico no combate ao vírus SARS-CoV-2 podem aumentar o risco de que pacientes sejam infectados com HIV. No entanto, a revista diz que, até aquele momento, "não se comprovou que alguma vacina contra a covid-19 reduza a imunidade a ponto de facilitar a infecção em caso de exposição ao vírus".
Justiça abre sigilo de pacientes da Prevent
A Justiça de São Paulo determinou a quebra do sigilo dos prontuários médicos de cinco pacientes da Prevent Senior que morreram em decorrência da covid-19. A decisão acolheu um pedido da Polícia Civil, que, com uma força-tarefa do Ministério Público de São Paulo, investiga se a operadora tratou pacientes, sem o seu consentimento, com o chamado kit covid, ocultou mortes de pessoas pela doença e pressionou médicos a adotarem o tratamento precoce.
De acordo com o despacho, a Prevent Senior deverá fornecer às autoridades os prontuários médicos de Regina Modesti Hang, mãe do bolsonarista Luciano Hang; Anthony Wong, pediatra; Gésio Amadeu, ator; João Batista Acaiabe, ator; e Orlando Duarte Figueiredo, jornalista esportivo.
O documento frisou que "o direito à intimidade e ao sigilo profissional comportam limitações, tendo em vista o interesse público, não podendo acobertar a prática de ilícitos". Os prontuários médicos passarão por perícia médico legal.
Apuração
"A superação à restrição imposta ao direito ao sigilo justifica-se pela necessidade de se apurar crime de falsidade ideológica em prontuários médicos de pacientes que vieram a óbito durante o combate à pandemia da covid-19, a causar a omissão da notificação obrigatória de doença e expor a risco inúmeras pessoas, entre as quais profissionais de saúde e de serviço funerário, tratando-se de medida judicial em processo preparatório imprescindível à colheita de provas necessárias à instrução da investigação criminal", registra trecho do despacho.
O inquérito policial tramita no Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP) e apura se a aplicação de remédios sem eficácia comprovada contra a covid-19 em pacientes da operadora que vieram a óbito configura crime de homicídio.
As suspeitas que recaem sobre a Prevent vieram à tona na CPI da Covid. Médicos relataram a senadores terem sofrido pressão da operadora de planos de saúde para administrar os medicamentos sem eficácia comprovada do kit covid em pacientes diagnosticados com a doença, sem o seu consentimento, em uma pesquisa interna.
Em depoimento à comissão, a advogada Bruna Morato, representante dos médicos que denunciaram a Prevent, acusou o governo federal de firmar um "pacto" com a operadora de saúde para validar o tratamento precoce e usar o estudo fraudado para confirmar o discurso do Planalto contra o isolamento social.
Também perante os senadores, o diretor-executivo da Prevent, Pedro Benedito Batista Júnior, admitiu que a empresa alterou fichas de pacientes internados em hospitais da rede para retirar o registro de covid-19, inserindo outra doença no lugar.
Queiroga: aula sobre pandemia
O ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, foi convidado para dar uma aula magna num evento na Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa (FMUL) sobre um assunto da escolha dele. E optou pelo tema: "As ações do Brasil no enfrentamento à Covid-19". A palestra está marcada para as 12h de hoje em Portugal (8h no horário de Brasília). O convite repercutiu negativamente na comunidade acadêmica e na imprensa portuguesa.
O grupo conhecido como "Colectivo Andorinha — Frente Democrática Brasileira em Lisboa" mencionou "estarrecimento". O colegiado questionou a decisão da FMUL, pois o anúncio da aula ocorreu após a divulgação do relatório final da CPI da Covid. O parecer pede o indiciamento de Queiroga por prevaricação e epidemia com resultado morte.
O site de notícias da rádio TSF, um dos veículos mais importantes de Portugal, enfatizou que Queiroga é acusado pela CPI do Senado. "O ministro brasileiro, acusado de crimes na pandemia, será orador na Universidade de Lisboa", destacou. Outro grande portal do país, o Público, também noticiou os supostos crimes cometidos pelo ministro durante o enfrentamento da crise sanitária. Além disso, ambos citaram as mais de 600 mil mortes pelo vírus no Brasil.
Sem preconceitos
Diante da repercussão, a FMUL publicou um comunicado em sua página oficial na internet. Nele, o diretor do curso, Fausto Pinto, justificou que fez o convite para fins acadêmicos, por Queiroga ser um "médico cardiologista, ministro da Saúde de um país amigo".
"(Queiroga) Vem visitar a nossa faculdade, pelo que foi convidado, como acadêmico, a proferir uma conferência, tendo escolhido o tema que entendeu. A iniversidade será sempre um espaço aberto, sem tabus ou preconceitos", frisou o diretor na publicação.
Queiroga já havia participado de evento sobre medicina cardiovascular na mesma faculdade no ano passado, quando era presidente da Sociedade Brasileira de Cardiologia.
Ele vai aproveitar a viagem à Europa para passar por Oxford, Cambridge e Londres, no Reino Unido, com o objetivo de visitar institutos de pesquisa e participar de reuniões. (RF)