O Globo, n. 31444, 09/09/2019. Rio, p. 11

Público lota evento, e faturamento até triplica
Bolívar Torres


Uma Bienal histórica. Assim o evento, que terminou ontem, ficará marcado na memória das editoras, que faturaram como nunca. Na noite de ontem, os organizadores estimavam que quatro milhões de livros, dos 5,5 milhões disponíveis nos 150 estandes, haviam sido vendidos. E detectaram um momento de virada: o fim de semana que se seguiu à tentativa de censura do prefeito Marcelo Crivella a um gibi com a ilustração de dois homens se beijando, na última sexta-feira.

O veto do prefeito à história em quadrinhos acabou ajudando na promoção de “Vingadores —Cruzada das Crianças”, que teve todos os exemplares vendidos. E refletiu também no aumento de público nos estandes e de livros comprados em geral. No último sábado, algumas editoras triplicaram o faturamento em relação ao mesmo dia da edição anterior da Bienal. E a alta procura não estava relacionada apenas a livros LGBT, mas a todos os títulos do catálogo.

Foi o caso da editora Valentina. No último sábado de Bienal, em 2017, ela havia vendido cerca de R$ 12 mil em livros. Nesta edição, foram R$ 35 mil. Juntando todos os dias do evento, o publisher da editora, Rafael Goldkorn, acredita ter dobrado suas vendas na edição de 2019.

— Foi um dia fora da curva. Todos os editores com quem conversei falaram que nunca viram nada igual — diz Goldkorn.

— Domingo ainda não fechou, mas o movimento parece que se manteve. O que impressionou foi ver o estande mantendo lotação máxima o tempo todo, e não só em alguns momentos. Isso não costuma acontecer.

Obras esgotadas

O mesmo fenômeno foi notado por Daniela Kfuri, diretora de marketing da HarperCollins. No total, as vendas da editora cresceram 250% em relação a 2017.

— Para nós, nunca houve uma Bienal como essa — disse Kfuri.

Os exemplos de sucesso se multiplicam. A Globo Livros mais do que dobrou seu faturamento. Já na Intrínseca, o crescimento foi de 18%. Entre os livros com temática LGBT da editora, houve um aumento considerável nas vendas, que varia de 100% a 600%, dependendo do título. Obras como “Com amor, Simon” e “Boy erased” esgotaram no estande.

As editoras estão convictas de que a reação à ameaça de apreensão de livros foi responsável pelo sucesso comercial do evento.

— A polêmica sobre livros supostamente impróprios atraiu milhares de jovens como uma forma de protesto a essa censura — diz Rafaela Machado , do grupo Record. — Foram filas e filas de jovens ávidos por livros. No estande, temos oito caixas e não foi o suficiente para atender todo mundo. Algo nunca visto.

A ação de Felipe Neto no sábado, que comprou 14 mil livros com temática LGBT das editoras e os distribuiu gratuitamente para o público, também ajudou, acredita Goldkorn. Mas um detalhe é importante: nem todos esses exemplares entraram na conta da Bienal. Alguns foram comprados diretamente do estoque das editoras e, por isso, não foram incluídos no balanço do evento.

— Felipe Neto trouxe um engajamento —avalia o editor.— O público veio atraído pela causa e ficou para comprar.

Já o presidente do Sindicato Nacional dos Editores de Livros (Snel), Marcos Pereira, é mais cauteloso.

— É inegável que toda repercussão deu uma luz muito maior, atraiu mais pessoas, que vieram pelos livros e pelas atrações — diz Pereira.

— Ninguém veio para procurar polêmica. O que vimos fomos famílias andando tranquilamente pelos estandes e comprando livros. E esse é o sentido do evento.