O Globo, n. 31444, 09/09/2019. Economia, p. 17

Ilegal.com
Bruno Rosa


O aumento no número de celulares contrabandeados, roubados e piratas vendidos livremente em sites da internet e lojas do Brasil acendeu o alerta da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), da Receita Federal e de fabricantes do setor. Dados da consultoria IDC apontam que 2,7 milhões de smartphones devem ser comercializados no mercado paralelo neste ano, mais que o triplo do ano passado. A alta de 233% representa o maior percentual em pelo menos quatro anos.

Com isso, o total de celulares irregulares poderá responder por 6% das vendas este ano no mercado formal, cuja projeção é de 45 milhões de unidades.

Para especialistas, o crescimento do mercado ilegal acompanhou a chegada de marcas chinesas no Brasil este ano, como Xiaomi e Huawei, cujos modelos são alvo de importações ilegais oriundas do Paraguai, principal porta de entrada dos telefones. Analistas citam a alta nos preços dos smartphones, que subiram 9% no segundo trimestre na comparação com igual período de 2018, segundo a IDC.

A consultoria aponta que 85% das vendas desses aparelhos são feitas por meio de sites. Geralmente, esses celulares não têm o selo oficial da Anatel. Renato Meireles, analista de mercado de celulares da IDC Brasil, lembra que um aparelho irregular pode ser bloqueado porque o seu Imei — sigla em inglês para Identidade Internacional de Equipamento Móvel, um número de registro — não consta na base de dados oficial do país.

— Os telefones vendidos no mercado paralelo não têm registro cadastrado na Anatel. Por isso, na hora em que o cliente tenta colocar um chip, o celular é bloqueado. Para o consumidor, é difícil identificar se o aparelho é válido — diz Meireles.

Bloqueio já atinge 865 mil

Para o consumidor, um sinal de alerta é o preço muito abaixo do padrão. Um aparelho como o Redmi Note 7, da Xiaomi, que tem preço sugerido de R$ 1.999,99 no site do revendedor oficial, era encontrado no marketplace de uma varejista a R$ 999.

Para chegar ao total do mercado paralelo, a IDC cruza informações da Receita Federal do Paraguai com exportações de revendedores ao Brasil. A consultoria também mensura o total produzido pelos fabricantes no Brasil e o volume vendido pelo varejo nacional.

Estima-se que os produtos ilegais causarão rombo aos cofres públicos de R$ 2 bilhões neste ano. Hoje, a carga tributária de um smartphone é, em média, de 25%. Segundo a Anatel, foram bloqueados 865.099 celulares não homologados entre maio de 2018 e julho de 2019 no Programa Celular Legal, que visa combater o uso dos aparelhos ilegais.

O crescimento desse mercado se reflete no total apreendido pela Receita Federal. De janeiro a junho, foram 69.815 aparelhos, um aumento de 34,38% em relação ao mesmo período de 2018. Em valor, o total dessas mercadorias soma R$ 38,410 milhões, um crescimento de quase 59%.

Segundo Arthur Cezar Rocha Cazella, coordenador geral de Combate ao Contrabando e Descaminho da Receita, esses celulares deixam de pagar Imposto de Importação, ICMS, PIS e Cofins, além de tributos internos:

— Foram intensificadas as operações em centros de distribuição dos Correios e transportadoras.

Segundo a Polícia Federal, até 28 de agosto foram apreendidos 3.230 celulares, mais do que os 3.209 em todo o ano passado. A maioria foi em Mato Grosso do Sule no Paraná.

Para a PF, a entrada destes produtos ocorre por meio de organizações criminosas. “A marca chinesa Xiaomi está entre os itens mais apreendidos. Menciona-se que o iPhone também possui alta representatividade no rol de itens contrabandeados”, informou.

A Anatel já notificou 83 lojas de comércio eletrônico por venderem celulares sem homologação. A agência chegou até elas por meio de denúncias dos consumidores.

Ao serem constatadas irregularidades, as empresas de ecommerce são notificadas para a retirada dos produtos, e os vendedores (quem anuncia o produto nos sites), identificados, autuados e alvo de procedimentos administrativos que podem resultar em multas.

Segundo Luiz Cláudio Carneiro, diretor de dispositivos móveis da Associação Brasileira da Indústria Elétrica e Eletrônica (Abinee), o crescimento do mercado paralelo ocorre em ritmo superior ao do mercado formal, que está em 6%. Ao vender menos, as empresas formais perdem competitividade e sofrem com o aumento de custos.

— Os efeitos ainda envolvem a redução de emprego e, para o governo, menor arrecadação de impostos. As empresas de internet deveriam ter um rigor maior, pois em muitos casos o consumidor não consegue saber se está comprando no site de uma rede varejista ou de algum parceiro hospedado no marketplace.

Nos sites, os consumidores se queixam de celulares vendidos sem nota fiscal, carregadores incompatíveis com o modelo no Brasil e especificações erradas. Diante das reclamações, a ABComm, associação que reúne as empresas de ecommerce criou um comitê para combater o problema.

— O objetivo é estudar formas de pressionar e inibir marketplaces que vendem produtos falsificados — diz Mauricio Salvador, presidente da ABComm.

Entre as marcas, a chinesa Xiaomi não comentou. A Huawei diz que a melhor forma de garantir a autenticidade é identificar o selo da Anatel em seus celulares, assim como comprá-los em lojas parceiras ou em quiosques da marca.

Os cuidados na hora da compra

Como ver se um celular é ilegal?

No Brasil é proibido vender celular sema homologação da A natel. Verifique se o modelo tem homologação no endereço sistemas.anatel.gov.br/sch. Assim que o produto for entregue, confira o Imei (digite *#06# para saber o número) em www.anatel.gov.br/celularlegal/ consulte-sua-situacao.

O consumidor pode ser punido ao comprar celular ilegal?

Para a Receita, se o consumidor não souber da origem ilícita, não responderá criminalmente, mas o produto será apreendido. Já a consultoria Corebiz considera que quem compra aparelhos irregulares comete um crime, com pena de até quatro anos de reclusão.

Qual é o direito do consumidor?

Ele pode devolver o produto em sete dias ao site onde o comprou. A garantia do vendedor é de até 90 dias. Mas, se o produto for ilegal, não há garantia técnica do fabricante. Desconfie se o preço estiver muito baixo. Iago Rodrigues, da Corebiz, sugere fazer uma pesquisa no sites oficiais dos fabricantes.

Celular irregular pode trazer risco à saúde?

O aparelho pode ser incompatível com as radiofrequências e emitir radiação elevada. Há risco de explosões ao usar carregadores.